sexta-feira, 19 abril

mosquitoO que antes era apenas uma gíria para “deu errado”, agora traz à mente uma doença que avança pelo mundo. E a culpa é do Aedes aegypti, mosquito transmissor dos vírus causadores da dengue, da chikungunya, da febre amarela e também da zika
Por Fernanda Higa
Aedes aegypti – ou na tradução “o odioso do Egito” – é um mosquito bem conhecido pelos brasileiros e está presente no País desde o Período Colonial. Em meados de 1955, após intensas e polêmicas campanhas conduzidas por Oswaldo Cruz, que na época combatia principalmente o surto de febre amarela, o inseto chegou a ser erradicado. Agora, o País vive novamente sob novas ameaças à saúde causadas pelo mosquito, e o aumento de casos fez com que governos e a Organização Mundial da Saúde (OMS) entrassem em estado de alerta.
O registro recorde de novos casos de dengue levou a organização a lançar uma Estratégia Global para prevenção e controle da doença, considerando-a um dos mais importantes problemas de saúde pública dos últimos anos. No Brasil, somente em 2015 foram cerca de 1,6 milhão de pessoas infectadas, superando os anos de 2010 (um milhão de casos) e 2013 (1,4 milhão) que já tinham índices epidêmicos. E o Ministério da Saúde já contabiliza 495 mil casos nos dois primeiros meses de 2016.
Além da dengue, também foram registrados picos de outras duas doenças transmitidas pelo Aedes aegypti no País: a febre chikungunya e o zika vírus. Foram confirmados 6,7 mil casos de febre chikungunya e outros nove mil ainda estão em investigação. Já em relação ao zika vírus, nova ameaça que surgiu no ano passado, as estimativas da OMS é de que cerca de 4 milhões de pessoas poderão ser infectadas em 2016.
Mas por que após tantos anos e com tanta informação disponível o Brasil não consegue vencer a luta contra o mosquito? Um dos problemas apontados para a causa é a própria ação de combate ao vetor, que não tem sido realizada de forma equânime e eficaz em todo o território.
Como apontou o secretário de Estado da Saúde de São Paulo, David Uip, o combate ao mosquito depende de uma ação global: “Não adianta o Estado de São Paulo desenvolver ações se os demais Estados e os outros países vizinhos não se envolverem também. Precisamos de uma ação global. Estamos pagando a conta de ações que não aconteceram nos últimos 50 anos. Agora, com a epidemia, a questão chegou às organizações mundiais”, afirmou.
Aedes aegypti é um mosquito doméstico e predomina nos centros urbanos das regiões tropicais exatamente porque são os locais em que ele encontra calor, água e “comida” em maior abundância. Fatores propícios para seu desenvolvimento e reprodução.
É por isso que, apesar de medir poucos milímetros, os mosquitos em geral podem ser considerados os mais antigos e poderosos inimigos da espécie humana, justamente por sua sede de sangue e pelos parasitas que carregam. A própria história já provou do que são capazes com as epidemias de febre amarela, malária, dengue, chikungunya e, agora, o zika.
Zika vírus
As condições favoráveis encontradas no país realmente contribuíram para a rápida proliferação do novo vírus: fartura de mosquitos que lhe servem de vetor e uma grande população que nunca teve contato com a doença. Dessa forma, o zika vírus se espalhou rapidamente em nosso território e já foi identificado em outros 38 países, o que levou a OMS a decretar situação de emergência internacional. Em abril, a Organização confirmou a relação do vírus com casos de microcefalia, após estudos publicados pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos na revista New England Journal of Medicine.
No Brasil, especialistas já apontavam a suspeita após o aumento no número de casos de microcefalia registrados na região Nordeste. Apesar dos fortes indícios, a confirmação foi chancelada somente depois de quase um ano do primeiro caso registrado no Estado do Ceará.
Além da microcefalia, também estão em curso investigações para os casos relacionados à Síndrome de Guillain-Barré e encefalites. Agora, os cientistas tentam desvendar os outros fatores de risco que, combinados ao vírus, causam os problemas mais graves.
A cabeleireira Lúcia Helena Cantarani, 63 anos, moradora de Ribeirão Preto, SP, conhece duas pessoas vítimas do novo vírus e que tiveram diferentes diagnósticos. Seu neto Gustavo, de oito anos, teve sintomas leves relacionados à doença, como manchas vermelhas pelo corpo e estado febril, e pôde realizar o tratamento em casa. Já sua amiga Áurea Mignati precisou ficar internada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto para tratamento da Guillain-Barré, doença rara que causa fraqueza muscular e paralisia dos músculos.
Apesar dos quadros mais graves, o Ministério da Saúde avalia que cerca de 80% das pessoas infectadas pelo vírus zika não vão desenvolver manifestações clínicas e que, no geral, a evolução da doença é benigna. É o que diz também o infectologista do Hospital Emílio Ribas, Jean Gorintcheyn: “O quadro de zika é menos agressivo que o da dengue, e os sintomas geralmente desaparecem espontaneamente em um período de três até sete dias”, explica.
Assim como ocorre com a dengue e a febre chikungunya, ainda não há vacina ou remédio contra o zika vírus. Por isso, a melhor ação ainda é a prevenção. A recomendação é a preferência por roupas compridas; utilização de telas em janelas e portas; e aplicação de repelentes. Além de um conjunto de ações para eliminação dos focos de mosquito.
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Todos contra o Aedes
O aumento dos casos mobilizou agentes públicos das três esferas: municipal, estadual e federal, além da sociedade civil em torno de campanhas e ações de combate ao mosquito. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 2/3 dos criadouros do Aedes estão nas residências brasileiras.
Para diminuir os focos e criadouros, ações interfederativas foram realizadas no País, o que já resultou na visita de mais de 34 milhões de domicílios e prédios públicos, comerciais e industriais somente no mês de março.
O governo brasileiro também lançou a campanha #zikazero. De acordo com a campanha, pelo menos uma vez por semana é preciso se certificar de que não há nenhum local propício para a procriação do mosquito na residência. São medidas simples como:
– Tampar os tonéis e caixas d’água
– Manter as calhas sempre limpas
– Deixar as garrafas viradas com a boca para baixo
– Manter as lixeiras bem tampadas
– Deixar os ralos limpos e com aplicação de tela
– Limpar semanalmente ou preencher pratos de vasos de plantas com areia
– Limpar com escova ou bucha os potes de água para animais
– Retirar água acumulada na área de serviço, atrás da máquina de lavar roupa, da geladeira e do ar condicionado
– Fazer sempre a manutenção de piscinas ou fontes, utilizando os produtos químicos apropriados
– Denunciar às autoridades competentes os possíveis focos que não podem ser eliminados pelos moradores, como o caso de terrenos baldios
Vacina
A primeira vacina brasileira contra a dengue já está em fase final de testes clínicos pelo Instituto Butantã, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A vacina, desenvolvida em parceria com o National Institutes of Health, dos Estados Unidos, tem potencial para proteger contra os quatro vírus da dengue com uma única dose e é produzida com os vírus vivos, mas geneticamente atenuados, isto é, enfraquecidos. Com os vírus vivos, a resposta imunológica tende a ser mais forte, mas como estão enfraquecidos, eles não têm potencial para provocar a doença.
O Instituto estima que todos os participantes estarão vacinados dentro de um ano e acredita ser possível ter a vacina disponível para registro até 2018. “Todos os estudos até aqui apontam que a vacina é segura e que ela estimula o organismo a produzir anticorpos de maneira equilibrada contra os quatro vírus da dengue. Os brasileiros estão sensibilizados quanto ao tema e acreditamos que isso fará com que os ensaios clínicos tenham boa adesão”, disse o diretor do Instituto Butantã, Jorge Kalil.
Os estudos finais começaram em fevereiro com 1,2 mil voluntários recrutados pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, mas devem envolver cerca de 17 mil participantes em todo o Brasil. A pesquisa também será conduzida em Manaus, Porto Velho, Boa Vista, Aracaju, Recife, Fortaleza, Brasília, Cuiabá, Campo Grande, Belo Horizonte, São José do Rio Preto e Porto Alegre.
Já em relação à vacina contra o zika vírus, existem atualmente 23 projetos sendo desenvolvidos por 14 instituições localizadas na Áustria, no Brasil, nos Estados Unidos, na França e na Índia. As informações foram divulgadas pela diretora-geral da OMS, Margaret Chan. A estimativa da Organização é de que pelo menos alguns dos projetos passem para ensaios clínicos antes do fim deste ano, mas vários anos podem ser necessários antes que uma vacina totalmente testada e licenciada esteja pronta para uso.
É por isso que o combate aos focos é urgente. Para evitar que os índices deste ano sejam ainda maiores que os de 2015, será necessário o engajamento de toda a população. Como diz o slogan da campanha federal: “Um mosquito não é mais forte que um país inteiro.”
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Novos horrores de velhos conhecidos

Cientistas, médicos e organizações correm contra o tempo para desvendar os estragos que o Zika vírus vem causando na saúde pública
Por Milenna Vieira
“A cena se repete todo ano, mas, em 2015, o Aedes aegypti se superou”, disse o autor da matéria “A dengue avança”, publicada aqui na revista Vida e Saúde, em junho do ano passado. Ele mal sabia que poucos meses depois esse mesmo mosquito lançaria uma nova temporada e bateria mais uma vez o próprio recorde ao carregar consigo um vírus mais grave, capaz de contaminar e prejudicar o desenvolvimento de bebês ainda no útero da mãe. O Aedes colocou sob a mira de cientistas, médicos e organizações de saúde um vírus considerado extremamente perigoso e de atuação ainda misteriosa. Após a dengue e chicungunya, ainda preocupantes, quem rouba a cena agora é o zika vírus.

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Dr. Dorival Duarte de Lima é mestre em Infectologia pela Universidade Federal de São Paulo.

Em novembro de 2015, o Ministério da Saúde declarou situação de emergência na saúde pública e disparou uma série de alertas e recomendações para grávidas e mulheres que planejavam ter filhos, após a suspeita de o zika estar relacionado ao enorme e súbito aumento nos casos de microcefalia no País. Com 399 casos registrados até novembro, esse número subiu para 3.174 em menos de dois meses. Três mortes foram notificadas em dezembro – um bebê no Ceará, um homem no Maranhão e uma adolescente no Pará. Nos três casos, acredita-se que a contaminação possa ter contribuído para o agravamento do estado de saúde levando-os a óbito. Dado o histórico da dengue, estimou-se que em torno de 100 mil bebês poderão nascer microcefálicos nos próximos cinco anos.
Com tantos desencontros de informação – se o zika está ou não ligado a certas doenças, números de casos suspeitos e casos confirmados; novas descobertas – e possibilidade de outros mosquitos serem vetores do vírus, o zika foi avançando e os números foram se alterando até que alcançaram o cenário internacional. Em março deste ano, Estados Unidos, França e Itália detectaram a presença do vírus, cuja transmissão revelou mais uma novidade: por meio de relação sexual. Já são mais de 50 países ou territórios com registro do vírus. Percebe-se que cientistas e médicos ainda terão muito trabalho pela frente. A população está insegura, cheia de dúvida, e procura se proteger como pode. Vida e Saúde procurou o diretor clínico do Hospital Adventista de São Paulo, Dr. Dorival Duarte de Lima, para que falasse um pouco sobre o assunto.
O zika é um vírus novo, para se conhecer tão pouco a seu respeito? Pesquisadores e autoridades têm falhado na pesquisa e na contenção do vírus?
Estudos filogenéticos consideram a aparição do zika vírus no leste do continente africano, em 1920. Somente mais recentemente, a partir dos surtos na Micronésia em 2007, e do subsequente na Polinésia Francesa, em 2013, foi que ele despertou a atenção da comunidade médica internacional. Sua introdução na América Latina e no Caribe, regiões em que o vetor (Aedes aegypti, Aedes albopticus) são amplamente distribuídos, e diante de uma grande massa populacional susceptível, fez com que explodisse a epidemia. Os sintomas da infecção, no início equivocadamente considerados como uma forma mais leve da dengue, fizeram com que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em fevereiro deste ano, a declarasse como uma emergência de saúde pública internacional. Desde o início dos anos 1980, quando a dengue ressurgiu com força alarmante nas Américas, não se consegue erradicar o Aedes aegypti, e o que vemos são os números nas epidemias batendo recordes, como foi no ano passado no Brasil.
Os esforços necessitam ser redobrados para evitar que o mosquito nasça. A comunidade científica mundial, mobilizada em torno desse tema, tem trazido respostas rápidas, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido até que se conheçam todas as facetas da doença, especialmente suas consequências, e a epidemia esteja sob controle. A expectativa de uma vacina obviamente é uma grande esperança contra o zika. Para outros vírus da mesma família, como o da febre amarela e o da encefalite japonesa, há décadas dispomos de uma vacina eficaz. Mas parece que em menos de três anos dificilmente uma vacina estaria liberada para uso em larga escala.
Diante de tantos rumores, qual a explicação mais realista que se pode dar para a relação do zika com os casos de microcefalia no País?
Classicamente, todo aluno de Medicina aprende que os agentes infecciosos (como vírus, bactérias, fungos, protozoários) inseridos na sigla conhecida como TORCHES (toxoplasma, rubéola, citomegalovírus, herpesvírus e sífilis) podem se associar a defeitos neurológicos congênitos. Especialmente a toxoplasmose e a infecção pelo citomegalovírus, se adquiridas de forma aguda durante a gravidez, podem se associar a calcificações cerebrais no feto e causar microcefalia. Mas o que vemos no contexto da recente epidemia pelo zika vírus é um aumento extraordinário dos casos de microcefalia. Não será possível saber com certeza a origem em todos os casos que estão ocorrendo atualmente, mas o que hoje se sabe é que o vírus tem sido encontrado no líquido amniótico de mulheres grávidas que geraram filhos com o problema, e no encéfalo de crianças microcefálicas. Seria muito difícil crer que o vírus estivesse no lugar errado na hora errada. É como se na cena de um crime o suspeito estivesse com uma arma na mão de cujo cano estivesse saindo fumaça. Além disso, já se avolumam evidências de sua relação com a Síndrome de Guillain-Barré e reportes de mielite aguda. Ou seja, parece haver um tropismo do vírus pelo sistema nervoso.
As formas de transmissão divulgadas – Aedes aegypti e relação sexual – são as únicas com que devemos nos preocupar? Que medidas preventivas podem ser tomadas?
A forma de transmissão de maior impacto é a mesma dos outros dois agentes (dengue e chickungunya), isto é, a picada do mosquito. Mas diferentemente de outros vírus da mesma família, tem se documentado a transmissão sexual. Notou-se que o zika alcança elevada concentração no sêmen, onde pode permanecer por mais de duas semanas. Houve um caso de detecção até dois meses depois da infecção aguda. Se levamos em conta a estimativa de que provavelmente mais de 80% das pessoas infectadas sejam assintomáticas (nenhum sintoma) ou oligossintomáticas (poucos sintomas), o verdadeiro papel da transmissão sexual ainda deve ser mais claramente elucidado. Uma via de transmissão que também deve ser considerada é a transfusional. No primeiro estudo de prevalência em doadores de sangue realizado em uma zona epidêmica, na Polinésia Francesa, utilizando análise molecular, evidenciou-se que 3% dos doadores eram positivos para o vírus. Portanto, recomenda-se, em zona de ocorrência da doença, qualquer pessoa que tenha tido quadro febril inexplicável, dias ou semanas antes da doação, que se abstenha de fazê-lo.
O estilo de vida da pessoa influencia na resistência ao vírus, ou ele é realmente forte como parece ser?
As infecções em geral têm maior chance de progredir e ser mais devastadoras em pessoas com comprometimento do sistema imunológico. Um estilo de vida saudável é um importante aliado na minimização de riscos, mas não torna a pessoa imune. Estudos preliminares estimam que cerca de 20% das pessoas infectadas se tornam sintomáticas. Mas dos assintomáticos não sabemos a proporção dos que desenvolverão complicações neurológicas como a Síndrome de Guillain-Barré, ou mesmo no caso das mulheres grávidas, qual a porcentagem das oligo ou assintomáticas que terão complicações fetais. De qualquer forma, não somente para o caso das doenças infecciosas, como também para as crônico-degenerativas e as neoplásicas, o estilo de vida tem papel preponderante.
Alguma expectativa de que esse problema seja resolvido?
Cremos que sim. Uma importante resposta ainda a ser obtida é se uma infecção pregressa ou atual implicará em imunidade futura permanente. No caso da dengue, para que a proteção completa ocorra, é necessário desenvolver anticorpos contra os quatro tipos do vírus, ou pela história natural da infecção pelos diferentes sorotipos, ou pela vacina quadrivalente, que já está disponível para uso clínico. No caso do zika, quando disponível, é pouco provável que a vacina seja disponibilizada para a população como um todo, e certamente será priorizada a população de maior risco, isto é, as mulheres grávidas e em idade fértil.
Para reforçar o alerta, quais os sinais de infecção com zika e o que uma pessoa contaminada deve fazer?
Em grande parte, os sintomas se sobrepõem aos que se evidenciam na infecção por outros arbovírus, como dengue e chikungunya: febre, cefaleia, dores musculares e articulares e erupção cutânea. Uns sintomas podem se sobressair mais na infecção por um vírus do que em outra. Por exemplo, no caso de dengue, além da febre elevada, geralmente se sobressaem cefaleia e dores musculares. Na chickungunya, além da febre, ocorrem dores articulares, que podem persistir por meses e, em alguns casos, até por anos. No caso do zika, a febre tende a ser menos elevada, e dois sintomas mais distintivos são a erupção cutânea e a conjuntivite não purulenta. O infectado deve buscar atenção médica para se estabelecer o diagnóstico preciso, e então ser monitorado, especialmente se for do sexo feminino, grávida ou em idade fértil.

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