quinta-feira, 28 março

Foto: William de Moares

Fortalecer o lóbulo frontal e cultivar bons pensamentos são algumas atitudes que fazem parte do “pacote” da boa qualidade de vida
Por Michelson Borges
No livro Corpo Ativo, Mente Desperta, o professor de psiquiatria em Harvard, Dr. John Ratey, afirma que níveis tóxicos de estresse desgastam as conexões entre os bilhões de neurônios e que a depressão crônica contrai certas áreas do cérebro, mas que o exercício físico, ao contrário, libera uma cascata de neuroquímicos e fatores de crescimento que podem reverter esse processo, ajudando a sustentar a infraestrutura cerebral. Isso também melhora as habilidades cognitivas e – mais ainda – a saúde emocional. Livros como o de Ratey e inúmeras pesquisas científicas têm deixado claro que a boa qualidade de vida depende de vários fatores e do equilíbrio entre saúde física, mental e, também, espiritual.
Pensando nisso, líderes da área de saúde e especialistas no assunto decidiram realizar, em janeiro deste ano, um congresso justamente sobre saúde mental, o Health Summit, com o tema “Emotional Wellness – Sharing Wholeness, Serving All”. O local escolhido foi Orlando, na Flórida, para onde 214 participantes e 19 expositores se dirigiram, de várias partes dos Estados Unidos, Canadá, América do Sul, Europa e até da Rússia. Vida e Saúde esteve lá e conferiu de perto os temas abordados.
Segundo o Dr. Marcello Niek Leal, líder da área de saúde da Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul e um dos organizadores do evento, saúde mental compreende duas perspectivas diferentes: a visão cognitiva, relacionada com a mente, o intelecto e a consciência; e a visão emocional, relacionada com a emoção, o sentimento e o humor. “Esse é um tema relevante e atual, mas, infelizmente, ainda muito mal compreendido e de alto impacto na saúde das pessoas de modo geral”, disse ele.
A brasileira Katia Reinert é diretora associada para o mesmo departamento, em âmbito mundial, e foi a principal organizadora do congresso. Para ela, que tem um PhD em enfermagem pela Universidade Johns Hopkins, o equilíbrio das emoções vem da nossa capacidade de interagir com as pessoas e com as situações decorrentes dessas relações. “Relacionamentos estáveis, em que as pessoas se interessam umas pelas outras, cuidam e se sentem cuidadas, respeitam e são respeitadas, proveem as condições necessárias para o equilíbrio emocional”, diz ela.
Tabu e preconceito
Muitas vezes, tabus e preconceitos são piores que as doenças. Essa conclusão foi unânime entre os palestrantes do Health Summit. “Infelizmente, as pessoas gostam de rotular a questão declarando que problemas com a saúde emocional são decorrentes da falta de experiência e amadurecimento espiritual, o que é um grande erro. Problemas de saúde emocional decorrem de vários fatores (bioquímicos, genéticos, sociais, familiares, etc.), e muitas pessoas não tiveram uma formação familiar ou social de modo a desenvolver habilidades de lidar com suas emoções. Rotular é a maneira mais fácil de esconder nossos próprios problemas e também de nos eximir da responsabilidade de cuidar dos outros”, diz o Dr. Marcello.
Segundo ele, quando se fala em saúde emocional, é preciso lembrar que os problemas se concentram em três grandes áreas: (1) equilíbrio emocional (como as pessoas reagem nas situações de trabalho, na família, na igreja, com os amigos e nos relacionamentos), (2) hábitos e vícios (de que maneira o condicionamento emocional nos constrói ou destrói, e como as pessoas desenvolvem ou perdem a habilidade de gerenciar suas emoções), e (3) trauma e resiliência (como as pessoas reagem diante de situações adversas de alto impacto, como catástrofes, abusos, violência individual e coletiva).
Na perspectiva científica e cristã, enfrentar esses problemas é possível somente com a restauração da condição integral de saúde no ser humano. “Mente, corpo e espírito precisam estar em harmonia e equilíbrio para que haja a verdadeira saúde”, explica o médico. “Contudo, é importante destacar que esse equilíbrio não vem simplesmente de meditações ou do controle pessoal, mas, sim, da verdadeira experiência pessoal com Deus.”
Segundo a Dra. Katia, “em alguns casos, o preconceito se deve à falta de entendimento ou mesmo incompreensão das causas dessas doenças. Alguns acham que seja falta de espiritualidade ou de oração. Outros, ainda, pensam que doenças mentais ou emocionais sejam resultado de possessão demoníaca, sem compreender biologicamente o que acontece no corpo e na mente. Existem diferenças que precisam ser compreendidas nesses casos”.
Quem também falou sobre o peso do preconceito foi o Dr. David Williams, professor na Universidade Harvard. Mas ele focalizou o preconceito étnico. “O racismo institucional produz consequências patogênicas, por restringir a mobilidade social, e criar diferenciações raciais no status socioeconômico e nas condições de vida e trabalho, prejudiciais ao bem-estar. […] O racismo cultural, no âmbito da sociedade, provoca e sustenta o racismo institucional e interpessoal, criando um ambiente político hostil a políticas igualitárias. No nível individual, estereótipos negativos, sustentados pelo racismo cultural, despertam respostas psicológicas prejudiciais à saúde, tais como a ‘ameaça de estereótipo’ e o racismo internalizado. A experiência subjetiva de discriminação racial é um tipo de experiência de vida estressante, mas historicamente negligenciado na literatura, que pode levar a mudanças adversas nas condições de saúde e a padrões alterados de comportamento que aumentam os riscos à saúde”, escreveu ele no artigo “Racismo e saúde: um corpus crescente de evidência internacional”, publicado na revista Sociologias.
Ficou claro que doença emocional não significa necessariamente falta de fé ou de comunhão com Deus, mas que a espiritualidade/religiosidade sadia pode ser grande aliada na manutenção da saúde emocional.
Números da saúde mental no Brasil
Fontes: Pesquisa Mundial Sobre Saúde Mental (OMS), IMS Health, Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos, Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid) e Anvisa
Religião e saúde mental
Um ponto alto do evento foi a palestra do Dr. Harold Koenig, renomado estudioso da relação entre espiritualidade e saúde. Koenig trabalha na Universidade Duke, na Carolina do Norte, e apresentou várias evidências científicas atuais dos efeitos positivos de uma vida espiritual relevante sobre a saúde, e destacou os últimos avanços dos estudos neurofuncionais nessa área. A coletânea de estudos apresentados cobriu múltiplos aspectos desse tema, com especial ênfase nos estudos em neuroanatomia funcional, que trazem evidências iniciais, objetivas e mensuráveis a respeito dessa associação.
À reportagem da Vida e Saúde Koenig explicou que o envolvimento religioso reduz o estresse psicológico, o que diminui a inflamação e a taxa de encurtamento dos telômeros nas células. “Os telômeros são um relógio biológico para a célula. Eles encurtam a cada divisão celular, e quando os telômeros se vão, a célula morre e ocorre a degeneração do órgão”, detalhou. Isso explica por que as pessoas mais religiosas vivem uma média de 7 a 14 anos a mais, segundo pesquisas.
De acordo com o cientista, as crenças religiosas reduzem o estresse psicológico que provoca dor. Por isso, as pessoas religiosas são mais esperançosas e otimistas, têm maior resiliência. “A dor é uma combinação de dor física real e dor emocional (sofrimento) que resulta da dor. A religião reduz parte do sofrimento e, assim, pode aumentar o limiar da dor.”
Depressão e ansiedade
Outro palestrante que desenvolve pesquisas sérias na área da saúde emocional é o Dr. Francisco Ramirez, médico especialista em estilo de vida com vários artigos científicos publicados. À Vida e Saúde ele disse que o estilo de vida insalubre tem levado muitas pessoas à depressão. Falta de exercício físico, descanso insuficiente, privação da luz solar, alimentação inadequada foram itens apontados por ele para a causa de muitos casos de depressão. Mas o que é depressão?
Depressão é definida como uma série de sintomas que se estendem por mais de duas semanas. É um sentimento persistente de tristeza ou perda de interesse, que tem implicações sobre a saúde física e emocional. Entre os sintomas comuns, estão problemas com o sono ou com a concentração, alterações no apetite, diminuição do nível de energia e pensamentos de morte. Fisiologicamente falando, a doença tem que ver com pouca atividade do lobo frontal, no cérebro.
“Temos visto na prática clínica mais casos de depressão e acreditamos que isso confirma nossa hipótese, porque o modo de viver das pessoas, hoje, não é saudável para a mente”, constata Ramirez. “As causas da depressão mais comuns têm que ver com o estilo de vida: não fazer exercício, não receber luz solar suficiente e não respirar ar fresco; desrespeito ao ciclo circadiano, que tem que ver com a regularidade no dormir e/ou comer fora de hora; e fazer coisas contra a própria consciência, o que prejudica o funcionamento do lobo frontal.” Mas existe cura?
Ramirez garante que, uma vez identificadas as causas da depressão, é preciso fazer as mudanças necessárias para reverter essas causas. Ele exemplifica: “Se a pessoa não faz exercício, deve iniciar um programa de exercícios; se não usa o pensamento abstrato [que ajuda no desenvolvimento do lóbulo frontal], pode-se recomendar que ela leia livros de conteúdo mais filosófico ou mesmo os provérbios da Bíblia, e procure interpretá-los.”
Já a ansiedade pode ser definida como preocupação excessiva, incontrolável e muitas vezes pensamento irracional, isto é, expectativa apreensiva sobre eventos ou atividades. Essa preocupação excessiva muitas vezes interfere em nosso funcionamento e pode nos impedir de desempenhar as atividades diárias. “Usamos a terapia cognitivo-comportamental para capacitar as pessoas a parar de ter ansiedade. Nossos dados mostram que, à medida que elas fazem as mudanças no estilo de vida, em 90 por cento dos casos a ansiedade desaparece.”
Sinais de alerta para o suicídio
Quando você vir esses sinais em alguém, não tenha medo de fazer perguntas e oferecer ajuda.
Pensamentos suicidas
Outra palestrante de renome no evento em Orlando foi Ann Mathews-Younes, diretora da Divisão de Prevenção, Estresse Traumático e Programas Especiais (SAMHSA, na sigla em inglês), agência federal norte-americana encarregada de promover a saúde mental e combater a violência, os comportamentos de risco e o suicídio. A doutora Ann trabalha há mais de vinte anos nessa área e falou sobre o papel das comunidades religiosas na prevenção ao suicídio.
E os números apresentados por ela deixam claro quanto o assunto é preocupante. A Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que, a cada ano, quase um milhão de pessoas se suicidam (uma morte a cada 40 segundos). Além disso, nos últimos 45 anos, as taxas de suicídio aumentaram 60% em todo o mundo, o que faz do suicídio uma das três principais causas de morte em alguns países, entre a faixa etária dos 15 aos 44 anos. E o consumo de álcool e drogas está perdendo apenas para a depressão e outros transtornos do humor como os fatores de risco mais frequentes para o suicídio.
“Falar sobre saúde mental e prevenção do suicídio é uma das maneiras mais concretas de ajudarmos aqueles a quem servimos em nossas comunidades”, disse Ann. “Para muitas pessoas, falar sobre essas questões é difícil e elas podem não saber como começar uma conversa ou não se sentirem à vontade para descrever suas lutas. Então, podemos começar a conversa! Falar sobre a prevenção do suicídio em sua comunidade permite um poderoso tipo de comunhão, que conforta aqueles que possam estar sofrendo e pode até mesmo salvar vidas.”
Ann disse que os líderes religiosos são uma força poderosa para o bem-estar e a cura, “e não devemos esperar uma tragédia para oferecer conforto. Podemos treinar para detectar os sinais de sofrimento mental e falar sobre saúde mental e tratamentos para transtornos mentais. Podemos trazer os temas da saúde mental e da prevenção do suicídio das sombras para a luz, a fim de que se possa buscar uma solução e levar conforto àqueles que precisam”.
As palavras de Ann são confirmadas por estudos que mostram que as pessoas estão mais propensas a buscar a ajuda de líderes religiosos do que de terapeutas. “A igreja tem a obrigação de garantir que todas as pessoas tenham acesso a cuidados e a aconselhamento pastoral, além de ajudá-las a buscar os cuidados médicos necessários nessas circunstâncias que levam à perda da autoestima e ao desespero suicida”, reforça a doutora.
Unindo-se ao coro de outros especialistas, Ann assegura que há abundância de evidências científicas que apoiam o que a maioria das pessoas de fé já sabe: que uma vibrante e viva fé em Deus, o senso de pertencimento a uma comunidade de crentes e o fato de se ter um propósito e uma esperança dão sentido à vida nos bons tempos e tornam a vida suportável nos piores momentos.
Por muitos anos, psicólogos e psiquiatras evitaram a religião e a espiritualidade na prática clínica. Entre as razões, estaria a antipatia pela religião que sempre houve entre os ícones da psicologia, como por exemplo, Sigmund Freud. Mas o fato é que a verdadeira religião tem que ver com a “religação” com Deus e uma vida harmoniosa em quatro áreas básicas: espiritual, mental, física e social, e isso traz, sim, saúde! A base da religião de Cristo é o amor a Deus e ao próximo, o que sintetiza os Dez Mandamentos. Quando vivemos a verdadeira religião bíblica, com seu foco na graça, no perdão e na obediência nascida do amor, a saúde mental e física é a consequência natural.
Os cientistas ainda não sabem exatamente por que a religião traz saúde. Simples: porque fomos criados para crer. Negar essa dimensão humana é convidar a doença.
[box-destaque]A gratidão pode mudar seu cérebro
Ser grato por pequenas coisas da vida pode causar mudanças no cérebro. Foi o que concluíram pesquisadores da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. Em artigo publicado no jornal científico NeuroImage, os autores garantem que, depois de poucos meses exercitando a gratidão, o cérebro passa a se sentir ainda mais condicionado a ser grato, o que traz muitos benefícios. A pesquisa compara esse treinamento ao exercício físico: quanto mais é praticada a gratidão, mais propensa a pessoa fica a sentir o mesmo no futuro e isso ajuda, inclusive, a diminuir a depressão.
É interessante constatar a plasticidade cerebral e como os hábitos podem reorganizar nossa maneira de pensar. Lembre-se de que os atos repetidos criam hábitos e os hábitos têm o poder de construir o caráter. Faça da gratidão um estilo de vida e você será mais feliz![/box-destaque]
Michelson Borges é editor da revista Vida e Saúde

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