sexta-feira, 29 março

É preciso diversificar atividades para superar ansiedade, cansaço e estresse. Ruben Dargã Holdorf

Quando ocorreu a migração do processo de produção artesanal para novas formas de fabricação, os visionários da economia previam a substituição do trabalho manual pelas máquinas a vapor. Todavia, a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra na segunda metade do século 18 não concedeu o tempo livre almejado pelos trabalhadores e garantido pelos “profetas da modernidade”. Um século depois, o advento da energia elétrica também não impediu o surgimento de outras funções e profissões, não obstante muitos países já oferecerem melhores condições sob o ponto de vista das legislações trabalhistas. Depois da Segunda Grande Guerra, a indústria de eletrodomésticos prometia amenizar o fardo doméstico das mulheres, mas nada disso aconteceu.

Ao prognosticar o futuro da humanidade, a indústria do desenho animado lançou em 1962 “Os Jetsons”, cuja narrativa apresentava o que seria a vida de uma família em um mundo automatizado, movido a tecnologias distantes da realidade daquela época. Em um dos episódios, Jane, esposa de George Jetson, confessa se encontrar muito cansada ao final do dia “por apertar muitos botões”.

Justo agora, seis décadas mais tarde, em um planeta envolto pela malha da internet, com recursos até então inimagináveis por meio do uso de i-phones, tablets, smartphones, computadores, aplicativos para todas as necessidades e gostos, redes sociais, veículos autônomos, automóveis voadores e casas inteligentes, um vírus chegou para derrubar os mais otimistas da sociedade digital. Durante o período de quarentena, imposto em muitos países, profissionais precisaram continuar trabalhando a partir de casa – home office – e alunos e professores mergulharam em aulas síncronas, comunicando-se por meio de aplicativos apropriados para dezenas de participantes. Por um lado, problemas resolvidos ou suavizados; na outra ponta, as consequências negativas do excesso de exposição às telas de computadores e celulares e o tempo investido em reuniões de negócios e lives.

Impacto digital

Quem acreditava na possibilidade de trabalhar menos em casa e curtir mais a família ou conseguir tempo para outras atividades, enganou-se. Apesar dos avanços tecnológicos e digitais, as pessoas reclamam do cansaço diante do tempo dispendido em frente aos computadores e celulares para participar de videoconferências das empresas. O confinamento por causa do coronavírus também causou estresse e ansiedade entre alunos e professores que se alojaram durante horas em aulas on-line ou atividades virtuais. O cientista Albert Einstein temia a possibilidade de a tecnologia extinguir a interatividade humana e formar uma sociedade idiotizada.

Em poucos dias, as instituições particulares de ensino treinaram professores e alunos, fazendo-os se adaptar à velocidade das transformações e necessidades emergenciais do negócio “educação”. Segundo o doutor Tales Tomaz, professor da Universidade de Salzburgo, na Áustria, a maior parte dos docentes não estava preparada para esse cenário, cuja ocupação se tornou um fardo com o passar das semanas. A russa Nadezhda Khlebnikova leciona em Butcha, na Ucrânia, mas voltou para Moscou por conta do fechamento da faculdade, e revela ter muito mais horas de trabalho do que antes ao lecionar à distância. Assim como ela, os professores se obrigaram a buscar conhecimento na internet, redes sociais, adquirir equipamentos, enfrentar aulas ao vivo e gravadas, participar de inúmeras videoconferências e aceitar o fato da existência de uma vigilância constante de superiores e até mesmo dos próprios pais ou responsáveis pelos alunos. Se antes havia dificuldade em organizar a agenda do tempo livre, agora se tornou complicado arranjar horário disponível mesmo dentro de casa para, ao menos, praticar um hobby, reunir-se com a família, brincar com os filhos.

Tornou-se contraditório a geração millennial, tão afeita ao digital, achar-se exausta ao fim das aulas síncronas. Muitos se sentem péssimos, principalmente aqueles que trabalham durante o dia e estudam à noite. Surtos de ansiedade, incapacidade e medo de não cumprir as tarefas agendadas nas plataformas acadêmicas digitais se mostram cada vez mais frequentes. Outros manifestam sofrer com enxaquecas, indisposição e desânimo para continuar as incumbências. Resta conhecer as consequências desses sintomas. O doutor José Luiz Aidar Prado, da PUC-SP, estuda o sintoma na esfera do capitalismo comunicacional, mas sua definição se ajusta a esse contexto dos efeitos do home office e da pressão das aulas virtuais. Nem toda causa sintomática “está onde dói. Uma dor de cabeça pode provir não somente de um problema no cérebro. O dicionário dá também sentido para sintoma ou presságio, o pressentimento. Aqui o mal-estar é sinal de algo que ainda não se desencadeou, mas sente-se que está no horizonte”.¹ Diante disso, configura-se importante a necessidade de acompanhamento especializado para quem detecta no corpo e mente sintomas atípicos.

Infodemia e infoxicação

No calor da pandemia e das consequências indiretas sobre os envolvidos em trabalho remoto, não há como esquecer o escritor norte-americano Nicholas Carr² e seu discernimento quanto à mudança provocada na percepção do tempo pela internet e o conjunto de ferramentas, aplicativos, sites e blogs presentes e dependentes da rede. A dependência da internet para quase tudo gerou a “infodemia”. Para o espanhol Antonio Lerma, doutor em Comunicação e especialista em Mídias Digitais, “a crise do coronavírus atraiu efeitos secundários, tais como a saturação de informações falsas sobre sua origem, desenvolvimento, tratamento e cura”, fato alertado anteriormente pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS) a respeito dos riscos da “infodemia”. Ou seja, o condicionamento incontrolável do compartilhamento de qualquer informação sem a devida checagem.

Ao não acessar à informação e não a distribuir, o indivíduo se sente desamparado, desesperado diante das incertezas, embebedando-se da própria agonia. O psicólogo canadense Jordan Peterson, professor da Universidade de Toronto, aconselha, como primeira etapa no tratamento da ansiedade, “acordar no mesmo horário”³ e desenvolver o hábito de rotinas previsíveis.

Mas há outra sequela: a infoxicação, a incapacidade de selecionar criticamente o excessivo volume de informações e dados fluindo no entorno. Alfons Cornella, doutor em Psicologia e autor do termo, alerta para a superfluidade de se conectar diariamente a diversos canais de informação, pois tal ação confunde demais e “infoxica”.4

Variando atividades

Com o objetivo de evitar o agravamento do quadro de cansaço, ansiedade, angústia e posterior depressão, orientam-se serviços prazerosos e desvinculados da rotina diária de videoconferências, lives, gravações, preparo de aulas com tecnologias diferenciadas e participação em aulas síncronas. Deve-se perceber o momento exato de controle da pressão superior e do grupo, a fim de dominar a emergência dos problemas biofísicos e psíquicos decorrentes desse panorama de transformações da atividade humana.

Antes de conhecer os conselhos para uma vida mais saudável na era da comunicação digital, é preciso entender o motivo da ansiedade e do cansaço gerados pela participação em videoconferências e aulas à distância. Um dos segredos da sobrevivência aponta para a capacidade de adaptação aos estímulos. O cérebro alterna a acuidade da variação entre figura e fundo. Se isso não ocorresse, os indivíduos ficariam superestimulados, provocando o sofrimento. Como resultado dessa alternância, a mente se distancia do estresse. Com experiência de 38 anos de carreira, o psiquiatra Rubens Carlos Peguin, especialista em Psicoterapia Psicanalítica de Grupo, considera a importância dos estímulos externos como determinantes para se bloquear a possibilidade de cansaço, intenção de novos estímulos e o sono. “A ansiedade pode ser causada pela necessidade de ação, novos estímulos visuais, auditivos, olfativos”, acrescenta Peguin, mencionando as aulas síncronas e as videoconferências como motivadoras do cansaço decorrente do estímulo persistente.

Enquanto nas aulas presenciais o aluno contempla pela janela a paisagem, cochicha com os colegas, interage com o professor, acessa o celular, levanta-se, sai da sala, volta, abre um livro, usa o notebook, escreve, digita, pensa, questiona, responde, nas aulas on-line os estímulos persistentes se apresentam como barreiras difíceis de transposição. Desse modo, é imperativo diversificar as atividades, tal qual se recomenda executar em relação ao cardápio, aos exercícios físicos, pois aperfeiçoam a saúde física e cerebral, melhorando o sono. Pausas durante o trabalho e hidratação se demonstram vitais, bem como o estímulo dos nervos ópticos pela luz solar, haja vista auxiliar “a aumentar neurotransmissores (como a serotonina), hormônios (como a melatonina), mantendo nossa saúde mental”, assevera Peguin.

A internet e seus descendentes – as redes sociais e os aplicativos – aproximaram as distâncias e afastaram as pessoas mais achegadas. Trata-se de um ambiente gélido, cuja análise remete às palavras de Jesus em Mateus 24:12: “E, por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos.” Para Lerma, esse é o tempo para “refletir e tirar de cada um de nós o melhor”, parafraseando e adaptando aos tempos modernos a narrativa do evangelista Marcos, na qual os candidatos ao discipulado “deixaram imediatamente as redes e O seguiram” (1:18). 

 

Ruben Dargã Holdorf
Professor de Jornalismo no Unasp, campus Engenheiro Coelho

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