O sistema imunológico das crianças precisa ser treinado adequadamente para ser capaz de evitar o desenvolvimento de doenças. Ivan Stabnov
Quando nossa primeira filha nasceu, minha esposa se preocupava de forma excessiva com a higiene do bebê. A água do banho era fervida e as chupetas e bicos de mamadeira também. Até tivemos um acidente doméstico por causa disso: quando foram esquecidos bicos na panela, houve um pequeno incêndio e quase ocorreu uma tragédia… Já os cuidados do nosso segundo filho foram modificados e não fervemos mais nada. Como resultado, nossa filha é bem mais alérgica que o nosso filho. Gostaríamos de ter conhecido este artigo na época anterior ao nascimento dos nossos filhos.
É claro que é importante lavar as mãos, cuidar da higiene e dar banho. Os pais que trabalham em locais contaminados, como os médicos, por exemplo, devem tomar banho e trocar de roupa antes de ter contato com os filhos ao voltarem para casa, após a jornada de trabalho. O problema é que os pais ocidentais levaram isso muito a sério e exageraram nos cuidados.
A nova ciência da saúde mostra que descartar os minúsculos organismos chamados de micróbios com desinfetantes de mãos, sabonetes antibacterianos e doses exageradas de antibióticos está causando um impacto profundamente negativo no sistema imunológico de nossos filhos, é o que diz a microbiologista Marie-Claire Arrieta, co-autora de um livro chamado Let Them Eat Dirt: Saving Our Children from an Oversanitized World (Deixe-os comer sujeira: salvando nossos filhos de um mundo super-higienizado).
Produção microbiana
Não é apenas a presença desses micróbios que faz com que o sistema imunológico se desenvolva, mas o que eles produzem. As moléculas e substâncias que eles produzem interagem diretamente com as células do revestimento dos intestinos e também com as células imunes, que estão do outro lado do revestimento. Isso literalme
nte treina essas células, simulando uma invasão microbiana, preparando o sistema de defesa para a guerra. É somente no encontro com essas substâncias microbianas que uma célula imunológica obtém a informação para fazer o que é necessário, ou seja, nos defender. Então, essas células em nosso intestino têm a capacidade de se transportarem para outras partes do corpo a fim de fazerem mais treinamento. Tornam-se multiplicadoras de conhecimento e treinadoras de outras células imunes.
A hipótese da higiene exagerada também explica por que as alergias, assim como a obesidade e as doenças inflamatórias intestinais e até mesmo o autismo, são doenças cada vez mais prevalentes. E isso não é explicado somente pelos genes. Nossos genes simplesmente não mudam tão rapidamente. Pesquisas mostram, consistentemente, que essas mudanças na exposição precoce a micróbios estão causando aumento dessas doenças. A exposição microbiana no início da vida é necessária para que nosso sistema imunológico seja treinado adequadamente e, eventualmente, seja capaz de evitar o desenvolvimento dessas doenças.
Evidências epidemiológicas mostram que crianças criadas em fazendas têm muito menos probabilidade de desenvolver asma. Isso sugere que viver em um ambiente menos limpo é melhor. Isso vale para crianças que têm animais de estimação, como cachorros. Outros estudos mostram que limpar tudo o que vai na boca do bebê aumenta a chance de desenvolver asma. Em um ambiente domiciliar adequado, onde se evita entrar de sapatos que vêm da rua, onde a limpeza é feita de forma habitual, a criança fica exposta a vários germes “domésticos”. Os alimentos ou as chupetas que por ventura caiam no chão poderão ser introduzidos na boca sem maior preocupação. Essa é uma forma segura de estimular as células de defesa.
A leucemia linfoblástica (ou linfoide) aguda afeta cerca de 300 mil crianças por ano no mundo todo, segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, que faz parte da OrganizaçãoMundial da Saúde e coordena pesquisas sobre causas de câncer. De acordo com Melvyn Greaves, do renomado Instituto de Pesquisa do Câncer, em Londres, o sistema imunológico pode se tornar canceroso se não tiver contato com uma quantidade razoável de micróbios no início da vida. A conclusão tem por base 30 anos de pesquisa e indica que talvez seja possível prevenir a ocorrência da leucemia linfoblástica aguda expondo crianças a algumas bactérias.
O Dr. Greaves, que contou com a colaboração de outros pesquisadores ao redor do mundo, afirma que há três estágios para essa doença. No primeiro, há uma mutação genética aparentemente impossível de ser contida, que ocorre dentro do útero da mãe. Depois disso, a falta de exposição a micróbios no primeiro ano de vida acaba não ensinando ao sistema imunológico como lidar corretamente com algumas ameaças. Isso “prepara o terreno” para que uma infecção surgida durante a infância cause mau funcionamento do sistema imunológico e permita o surgimento da leucemia.
Ivan Stabnov é Gastroenterologista e endoscopista digestivo
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