domingo, 03 novembro

Qualquer preconceito contra a soja não tem respaldo científico e todo profissional de saúde que desaconselhar seu consumo está, no mínimo, desatualizado. 

Késia Diego Quintaes Doutora em Alimentos e Nutrição

Se há um alimento polêmico, esse alimento é a soja (Glycine max). Há quem defenda seus benefícios com unhas e dentes, enquanto outros a acusam de ser a vilã de problemas de saúde. Talvez por essa razão a citada leguminosa seja alvo de inúmeros estudos científicos que, em suma, visam estabelecer o real papel da soja na nutrição e saúde humana.

A soja é especialmente consumida em países asiáticos, muito embora sua maior produção ocorra no Brasil, Estados Unidos e Argentina. Além do grão, vários produtos derivados da soja podem ser produzidos, seja de maneira fermentada ou não-fermentada. Os primeiros incluem pasta de soja, molho shoyu, Tempeh, Natto, etc., enquanto os principais não-fermentados são: extrato de soja, tofu, brotos de soja, edamame, farinha, entre outros.

Além desses, há o óleo de soja, usado na alimentação e como biodiesel. O resíduo obtido após a extração do óleo é transformado em outros produtos: proteína texturizada, concentrado e isolado proteico, carboidrato solúvel e farelo de soja. A proteína texturizada pode ser incorporada em diversos alimentos como produtos de panificação, hambúrguer, alimentos infantis, etc. O concentrado e isolado proteico podem ser usados em alimentos para bebês, produtos de panificação, cereais, fórmulas de nutrição, entre outros. Os carboidratos solúveis têm aplicação como aditivos alimentares por terem funções dispersante, estabilizante, emulsificante, etc., enquanto o farelo de soja é destinado à ração animal.

A SOJA E A CIÊNCIA

Durante muitas décadas foram feitas várias acusações, inclusive científicas, contra a soja: feminilizar meninos cujas mães consumiram soja durante a gestação, causar impotência sexual masculina, alterações menstruais em mulheres e mesmo a paralisação do funcionamento da glândula tireoide. Logo, não foram poucas as pessoas que passaram a evitar a leguminosa.

Porém, a verdadeira ciência não se deu por vencida, ao contrário, minuciosos estudos foram conduzidos desde então para traçar o real efeito da soja e suas isoflavonas no corpo humano. Em 2021, revistas de prestígio: Critical Reviews in Food Science and Nutrition e Reproductive Toxicology publicaram dois estudos que englobaram análise criteriosa de centenas de pesquisas sobre a soja e suas isoflavonas e concluíram que:

 As isoflavonas não são desreguladores hormonais.

As isoflavonas da soja não afetam negativamente a função da glândula tireoide.

Não há indícios de que as isoflavonas influenciem os níveis hormonais de estrogênio em mulheres ou testosterona em homens.

Nem a dose nem o tempo de uso das isoflavonas afetam os níveis de testosterona, testosterona livre, estradiol e estrona em homens.

A ingestão de soja por gestantes ou nutrizes não tem efeitos negativos sobre o feto e/ou bebê.

A ingestão de soja ou seus derivados por crianças é segura.

A soja e os produtos feitos com ela não são contraindicados para mulheres com câncer de mama.

O consumo de soja desde a infância protege contra o aparecimento do câncer de mama na idade adulta.

Antinutrientes e efeitos hormonais

É bem verdade que, além de ser rica em nu-trientes essenciais, a soja possui fatores antinutricionais, como os inibidores de proteases (enzimas digestivas), taninos e lectinas, que, se ingeridos em quantidades elevadas por tempo prolongado, podem causar prejuízos à saúde. Mas tanto a soja fermentada quanto a processada (ex. cozida), têm redução dos referidos fatores bem como aumento do seu valor nutricional. Além disso, em baixas quantidades os compostos sem função nutricional da soja, incluindo os antinutricionais, atuam na redução do risco para doenças como o câncer. Outro aspecto muito discutido sobre a soja se refere a seus efeitos hormonais, já que ela veicula isoflavonas, que são compostos com estrutura análoga ao estrógeno, apresentando atividade endócrina como tal. Daí o fato de a soja e seus produtos terem sido elencados por muitos anos como desreguladores endócrinos, ou seja, como agentes externos que interferem na produção, liberação, transporte, metabolismo, ligação ou eliminação de hormônios naturais do corpo, responsáveis pela manutenção da homeostase e da regulação do organismo.

Vale lembrar que os desreguladores endócrinos podem elevar o risco para obesidade, diabetes mellitus e doenças cardiovasculares, e mesmo afetar a reprodução masculina e feminina, cânceres sensíveis a hormônios, distúrbio na tireoide e problemas neuroendócrinos e no neurodesenvolvimento.

Mas as isoflavonas não são necessariamente desreguladores endócrinos, conforme a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA). Segundo a EFSA, uma substância endócrina ativa é qualquer produto químico que pode interagir direta ou indiretamente com o sistema endócrino e, subsequentemente, resultar num efeito em órgãos alvos, tecidos e sistemas. Se o efeito é adverso ou não, dependerá do tipo de efeito, da dose e da situação fisiológica preexistente.

Assim, nas últimas duas décadas, vários órgãos científicos e regulatórios de muitos países avaliaram e consideraram seguro o uso de isoflavonas e de alimentos à base de soja por observarem que ela não gera nenhum efeito adverso ao organismo.

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