sábado, 20 abril

Estudos mostram que dieta pró-inflamatória favorece os casos de depressão. Bruna Genaro

 

Em 2020, a depressão será a doença mais incapacitante do planeta. Em dez anos, a quantidade de casos de depressão cresceu em 18%. Na América Latina, o Brasil é o campeão em casos de depressão. Quase 6% da nossa população – total de 11,5 milhões de pessoas, sofrem com a doença. Todos esses dados são da OMS.

A cada dia que passa a população está mais doente. E a depressão não faz distinção entre jovem ou idoso, ou mesmo entre as classes sociais. A depressão é uma patologia complexa e multicausal, ou seja, existem inúmeros componentes que podem desencadeá-la, seja por um rompimento amoroso, luto pela perda de algum familiar, perda de um emprego, entre outros.

Existem diversas linhas de pensamento para lidar com a depressão. Alguns acreditam que ela deva ser tratada com acompanhamento psicológico. Outros consideram a depressão um fenômeno bioquímico, mais bem tratado pela medicação antidepressiva. No entanto, existe um componente que pode antecipar o surgimento da patologia e que é pouco considerado: a alimentação.

“A falta de tempo e a rotina corrida do dia a dia fazem com que as pessoas optem por consumir alimentos pré-prontos, geralmente processados ou mesmo ultraprocessados. Esses alimentos são acompanhados por quantidades excessivas de açúcar, sal, gordura (trans e óleos vegetais refinados) e farinhas refinadas. Essa combinação de nutrientes acaba, por fim, levando o organismo a um estado inflamatório”, ressalta a doutora em fisiologia Ana Lucia Hoefel, professora do curso de Nutrição da FSG. “Tudo o que inflama o organismo tem capacidade de inflamar também o cérebro. O corpo fica mais suscetível à inflamação pelo consumo de determinados alimentos considerados pró-inflamatórios. Existem alimentos que atrapalham o bom funcionamento do cérebro, e sempre que esse funcionamento é prejudicado pode nos trazer sintomas, acarretam situações que interferem muito na nossa qualidade de vida, como alteração de humor, de sono, de memória, irritabilidade e depressão. Enfim, existe uma conexão muito próxima da química do cérebro com a forma como me sinto e me comporto”, acrescenta a nutricionista Michele Boscato.

Pense na seguinte comparação: quando um vírus invade o corpo há a produção de uma inflamação com o objetivo de proteger o organismo. Quando o agente que está causando a virose é combatido, tudo volta ao normal e o organismo desinflama. “É fisiológico inflamar. Mas também é fisiológico desinflamar. Com a dieta pró-inflamatória, ao contrário, o estímulo permanece, porque não comemos esses alimentos ‘de vez em quando’, comemos diariamente, duas, três ou mesmo quatro vezes ao dia”, ilustra Ana Lucia Hoefel.

Alimentos inflamatórios

“O uso de alimentos pró-inflamatórios, como carnes, margarina, leite de animais, ovos, bebidas açucaradas, chocolates, refrigerantes e grãos refinados (deficientes em termos nutricionais) levará a um quadro de depressão e a um alto risco de contrair vários outros tipos de doenças, incluindo as doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão arterial, esteatose hepática, arteriosclerose, entre outras. Segundo especialistas, esses elementos contêm substâncias que podem interferir nas atividades do organismo, favorecendo, além da depressão, a irritabilidade, insônia, o excesso de peso corporal, doenças cardiovasculares, e até mesmo o câncer”, orienta a nutricionista Dra. Cleonice Pereira, responsável pelo projeto “8 que curam”. “Esses chamados ‘alimentos’ não passam de ‘elementos’ inflamatórios que levam o corpo a um sacrifício desnecessário para tentar assimilá-los, pois as estruturas são incompatíveis e com várias diferenças em sua morfologia, fisiologia e bioquímica. Por isso, o corpo luta tanto para tentar se adaptar a essas estruturas completamente diferentes, sendo uma das principais causas do aumento de muitas doenças a cada ano”, acrescenta a nutricionista.

Esses “elementos” também alteram a composição da microbiota intestinal, isto é, as bactérias que vivem no intestino. “Essas bactérias se alimentam de comida saudável. Ou seja, elas se alimentam das fibras da nossa dieta. Fibras que estão presentes nos vegetais. Quando comemos de forma inadequada, as bactérias boas morrem, e sobrevivem apenas as bactérias ruins. As bactérias boas permitem ao intestino (e todo o organismo) trabalhar de forma adequada. O intestino é considerado um ‘segundo cérebro’; ele produz quantidades de serotonina, composto responsável pela sensação de bem-estar. Numa situação de desequilíbrio entre as bactérias intestinais, uma situação chamada disbiose, o intestino passa a funcionar de maneira inadequada com relação à produção de diversos compostos, entre eles a serotonina”, explica Ana Lucia Hoefel.

Alimentos para a saúde mental

Um estudo feito pela Universidade de Manchester, no Reino Unido, com quase 46 mil pessoas, revelou que a perda de peso, o aumento de nutrientes e as dietas de diminuição de gordura podem reduzir os sintomas da depressão. “Comer refeições contendo alimentos ricos em nutrientes, como frutas, legumes e verduras, os quais são ricos em fibras e vegetais. Estes servem de alimento para as bactérias boas e, de quebra, ainda fornecem vitaminas e minerais que auxiliam no processo anti-inflamatório e em outros meios de controle de sintomas depressivos. Para que se tenha um efeito dietético sobre a depressão é preciso que o consumo seja contínuo, ou seja, preciso comer saudavelmente todos os dias (da mesma forma que se toma a medicação todos os dias). Assim, ao fazer comida ‘de verdade’, usando temperos naturais e comendo com prazer, é possível reduzir sintomas depressivos, de forma geral”, enfatiza Hoefel.

Os alimentos conhecidos como antidepressivos atuam como essência para os hormônios do bem-
estar, chamados de neurotransmissores, promovendo uma completa comunicação neural. “Para a produção cerebral da serotonina, um dos mais importantes hormônios da felicidade, há a necessidade de ‘matérias-primas’ fundamentais para sua síntese. O triptofano, aminoácido essencial encontrado em alimentos como banana, tofu, leguminosas e oleaginosas, serve como precursor da serotonina. Esses alimentos também contêm magnésio, cálcio, vitamina B6, ácido fólico e as boas gorduras, muito importantes para a formação e bom funcionamento dos neurônios”, ressalta a nutricionista Cleonice Pereira.

Mudando o estilo de vida

Como vimos, a alimentação está entre os principais motivos do desenvolvimento da depressão. “Não adianta manter uma alimentação toda desequilibrada, com escolhas ruins, com carência de outros nutrientes que favorecem a saúde, e querer ter boa memória, bom humor, boa noite de sono, melhora da microbiota intestinal, melhora dos sintomas depressivos. Para mudanças de resultados, precisamos de mudanças de atitudes. Inclusive na alimentação”, ressalva a nutricionista Michele Boscato.

Alguns outros hábitos também estão relacionados ao aparecimento da depressão: sedentarismo, estresse, sono de má qualidade, excesso de reclamação.

Sedentarismo

A depressão é tratada com antidepressivos e terapias. Alguns estudos mostram que a atividade física também pode ser uma aliada nesse processo. As pessoas deprimidas podem ter fadiga, cansaço, indisposição, podendo isso levar ao sedentarismo ainda maior. Alterações hormonais durante a atividade física podem afetar o humor, havendo liberação de serotonina, beta-endorfina, dopamina e norepinefrina. O exercício estimula o crescimento de novas células nervosas e proteínas essenciais para o bom funcionamento do sistema nervoso central (SNC).

Estresse

Sempre que ocorre uma situação estressante, o SNC “informa” o organismo, por meio de hormônios, que libera o cortisol (o hormônio do estresse). O cortisol no SNC tem várias repercussões. À medida que a quantidade de cortisol aumenta, aumenta também a captação de serotonina (hormônio do prazer). A serotonina é um neurotransmissor liberado na fenda sináptica, que se for captada novamente pelo neurônio não tem como agir no corpo. Então quanto maior a captação de serotonina, menos tempo ela ficará na sinapse e menos efeito ela terá. Hoje um dos medicamentos que tratam a depressão inibe a recaptura de
serotonina, fazendo com que ela fique mais tempo na fenda sináptica, exerce mais efeito sobre o neurônio pós-sináptico e isso reduz os sintomas de depressão. 

O cortisol também pode ocasionar efeitos epigenéticos. No núcleo da célula ele altera a expressão de vários genes, podendo ser bem negativo e prejudicial. Porque quando o estresse ocorre na criança, por exemplo, os mecanismos epigenéticos do excesso de cortisol alteram a expressão de genes de tal forma que a criança, quando chegar à fase adulta, terá maior risco de depressão. Os neurônios passam a se comportar de outra maneira, induzidos pelo excesso de cortisol. E isso aumentará a predisposição a doenças.

O essencial é um diagnóstico precoce do estresse, uma prevenção adequada (psicológica, psiquiátrica, social) para ajudar a conter essa produção de cortisol excessiva, com a consequente prevenção também da depressão.

Sono de má qualidade

A melatonina é um hormônio produzido à noite e favorece a indução e a qualidade do sono. Possui inúmeros benefícios para a saúde, especialmente o efeito antioxidante, anticancerígeno, sincronizador do ritmo circadiano e a indução de autofagia pela limpeza do “lixo celular”. Estruturalmente, a melatonina e a fitomelatonina são a mesma molécula. Só que a melatonina é de origem sintética ou animal, e a fitomelatonina tem origem vegetal.

A fitomelatonina é absorvida pelo trato gastrointestinal, modulando os níveis sanguíneos de melatonina. A ingestão de plantas ricas em fitomelatonina produz um aumento de até quatro vezes nos níveis basais de melatonina na corrente sanguínea. Esse aumento ocorre 60 a 120 minutos após o consumo. Os alimentos fontes de fitomelatonina são tomilho, sálvia, hortelã, rabanete branco, tomate, goji berry, broto de feijão e maçã. São ótimos para ajudar a regular o ritmo circadiano e favorecer um sono de boa qualidade.

Excesso de reclamação

Vamos pensar em dois tanques grandes iguais, cheios com a mesma quantidade de água. Dentro de cada um deles tem uma pessoa demonstrando reações diferentes. Enquanto uma se afoga, a outra flutua. Sabe por que isso acontece? Porque não são as situações que roubam a paz, mas, sim, a forma de reagir a elas. Na vida é sempre assim: enquanto um reclama do que acontece, o outro agradece. Enquanto um se apavora, o outro ora. Enquanto um fala mais do que devia, o outro silencia. Situações parecidas, reações diferentes.

Aprenda que às vezes você não pode controlar o que acontece com você, mas pode treinar a forma como reagir diante do que lhe acontece. No livro O Poder da Ação, de Paulo Vieira, ele descreve o modelo de depressão atual: “Pessoas depressivas vivem do passado e tendem a se cercar de negatividade. Para isso, elas buscam ambientes e pessoas que permitam que elas se mantenham no passado, alimentando suas lembranças, que, no caso, são quase totalmente lembranças ruins e dolorosas. Além de prender quase todas as suas energias no passado, elas se dedicam pouco ao presente, tornando suas ações e seus comportamentos improdutivos. Essa pessoa produz sentimentos de desesperança, com sentimento final de desamor. Então a vida presente perde o sentido e o futuro se torna algo assustador e indesejado. A partir dos acontecimentos do passado, presente e futuro, a estrutura foco temporal gera resultados internos de depressão e resultados externos que confirmam sua atitude. Se o resultado final da sua vida não está de acordo com o que você quer ou gostaria, é necessário mudar. Se quiser mudar o resultado da sua vida, mude seus padrões e suas ações.” 

A mudança na mesa

A maior dificuldade de quem precisa mudar o estilo de vida é substituir os alimentos prejudiciais pelos saudáveis, já que os nocivos costumam ser mais “apetitosos” que os naturais. “A troca tem que ser feita de forma conscienciosa, e de maneira gradativa. Uma boa estratégia é mudar do mais fácil para o mais difícil, procurando se informar sobre os melhores alimentos e como prepará-los de maneira mais apetecível e atraente possível. Não basta ser saudável, deve ser saboroso também”, aconselha a nutricionista Cleonice Pereira. “A ideia de que a comida denominada junk food é gostosa, na verdade, é falsa; ela não é gostosa. É apenas fruto da manipulação de receptores cerebrais que desencadeiam respostas de prazer, da mesma forma que a cocaína. O açúcar ativa receptores do neurotransmissor dopamina (o mesmo que a cocaína ativa) e desperta sensação de prazer”, acrescenta a professora Hoefel.

Mesmo que a mudança na mesa tenha que ser “radical”, cabe ao profissional de saúde orientar para que tudo aconteça gradualmente e que a escolha de mudar seja consciente. “Ficar empolgado com a mudança é fácil. Difícil é se manter com consistência no processo de mudança. Então eu, como profissional da saúde, para ajudar um paciente em depressão, escolheria junto com ele quais estratégias seriam imediatas e como poderíamos introduzir os alimentos saudáveis na rotina diária dele, até que seja natural ao paladar dele aceitar alimentos mais naturais possíveis. Acredito que pequenos passos diários podem fazer qualquer indivíduo chegar bem longe. Lapidar o paladar sem radicalismos é fundamental”, finaliza a nutricionista Michele Boscato. 

Bruna Genaro é Jornalista

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