quinta-feira, 28 março

No mundo corrido de hoje as pessoas nem sempre valorizam a importância desse remédio natural – Rayanne Branco 

Se você soubesse de um remédio que promove rejuvenescimento, emagrecimento, controle do estresse, disposição e boa memória, você o compraria? Acredite: Ele existe, é gratuito e disponível para todos. Vamos conhecê-lo melhor? 

Dormir é uma necessidade básica de todo ser humano. Isso significa que, assim como tomar água, respirar e se alimentar é vital, também deve haver repouso. Em 1964, um jovem norte-americano chamado Randy Gardner resolveu ficar sem dormir pelo tempo que conseguisse. O desafio da privação de sono teve início e logo foi notificado em um jornal da cidade, tornando-se conhecida a ideia por um cientista de sono da época. No segundo dia, o rapaz já apresentava sinais de cansaço; no terceiro, de muita irritabilidade; no quarto dia, começaram as alucinações. Gardner suportou 11 dias, mas ao fim deles, não completava frases, tinha perdido a memória e tinha alucinações frequentes. Após o experimento, ele dormiu por 14 horas seguidas e, no decorrer da vida, teve que conviver com a insônia. O caso de Randy Gardner entrou para o Guinness Book, porém, o livro passou a não aceitar desafios de privação de sono, pelos intensos malefícios causados. 

Em nossa rotina não nos submetemos a tanto tempo em privação de sono como no caso de Gardner, mas temos restringido o tempo de sono por noite devido às nossas atividades diárias. Como consequência, observam-se pessoas aceleradas, estressadas que se irritam facilmente e biologicamente adoecidas. 

É comum perceber o cansaço quando não temos uma boa noite de sono. No entanto, o que acontece no cérebro e no corpo é ainda mais preocupante. Restrições frequentes de sono podem acarretar um aumento significativo na contratilidade cardíaca, pressão arterial, frequência cardíaca e secreção de hormônio do estresse.¹ Em longo prazo, os distúrbios do sono no adulto são capazes de induzir aumento do estresse oxidativo, alterações das respostas inflamatórias e coagulatórias e aceleração da aterosclerose, além de predispor sobrepeso e obesidade.² 

Um estudo com 2.459 norte-americanos examinou a relação entre a duração de sono e a adiposidade excessiva da população adulta nos Estados Unidos. Os participantes foram organizados em três grupos: sono curto (menos de sete horas de sono), sono normal (sete a nove horas de sono) e sono longo (mais que nove horas de sono). Verificou-se uma incidência (casos novos) de excesso de peso significativamente maior no grupo de sono curto em comparação com o grupo de sono normal. Além disso, verificou-se que pessoas de sono longo foram associadas à maior prevalência de obesidade. Desse modo, tanto dormir pouco quanto dormir muito pode favorecer o acúmulo de gordura e obesidade.³ 

Na cognição, a privação de sono pode ocasionar deficiências na atenção sustentada e impactar outros aspectos do funcionamento neurocognitivo, incluindo maior reatividade emocional, resultante em parte do funcionamento prejudicado das regiões frontais do cérebro. Desse modo, a perda de sono pode resultar em comportamento mais agressivo em adultos e em tomada de decisão por impulso.4 

No relacionamento familiar, também há prejuízos advindos da privação do sono. Estudo observacional examinou os efeitos da duração do sono e as respostas inflamatórias de casais, diante da discussão de problemas, comportamento interpessoal e uso de estratégias de regulação da emoção. Os pesquisadores verificaram que os cônjuges que dormiam mais apresentaram marcadores cancerígenos em suas células (interleucina 6 e fator de necrose tumoral alfa). Além disso, foi observado que quando ambos os parceiros dormiam menos, os casais interagiam de maneira mais hostil do que quando pelo menos um dos parceiros dormia mais.

Apesar de ser conhecida a importância do sono para a saúde, esse é um dos aspectos mais negligenciados em nossa sociedade acelerada. O sono é muitas vezes considerado um privilégio de poucos ou associado à preguiça e à falta de comprometimento. No entanto, os estudos sobre esse tema mostram que pessoas que têm uma rotina melhor de sono e que dormem entre 6 a 8 horas por noite são mais produtivas, têm mais autocontrole, erram menos e têm melhor memória.

A higiene do sono

Higiene são hábitos e comportamentos que geram limpeza e equilíbrio para a pessoa ou para o ambiente. Para o sono também é possível e necessário que a higiene seja feita. Alguns hábitos são nocivos e atrapalham o sono. Um deles é o ambiente. O local de dormir precisa ser limpo, ventilado e escuro. O sono reparador acontece em total escuridão, a ponto de não conseguirmos enxergar a própria mão. Logo, luzes de televisão, ar-condicionado, carregadores, entre outros eletrônicos, apesar de parecerem inofensivas, podem prejudicar o sono. O celular próximo à cama ou abaixo do travesseiro é extremamente nocivo. Deixe-o longe de você durante as horas de sono, de preferência desligado ou no modo avião, a fim de que não seja recebida nenhuma notificação. Cortinas com blackout também são importantes para bloquear as luzes artificiais noturnas e também os primeiros raios solares, caso você deseje dormir um pouco mais. Outra coisa que parece inofensiva, mas que atra- palha o sono é a própria cama. Frequentemente, esse local é usado para trabalhar, estudar, ver tele- visão, comer, e também dormir. Essa multiplicidade de tarefas confunde o cérebro que precisa enviar a mensagem de liberação de hormônios para que você adormeça. Se você trabalha, come e dorme no mesmo local, duas coisas podem acontecer: você sentir muita preguiça para trabalhar ou muita dificuldade para dormir. Seja qual for, a mudança inicia ao separar a cama apenas para dormir e para as relações sexuais. 

O que fazer para dormir melhor?

O primeiro passo para alcançar um sono de qualidade é ter uma rotina organizada com as atividades do dia, considerando o tempo de sono. Dessa forma, o primeiro ponto da rotina é o horário de acordar. Por exemplo: Maria precisa acordar às 6 horas da manhã. Então, ela deve se organizar para dormir às 22 horas. É importante planejar oito horas de sono por noite, pois, se houver algum imprevisto e o horário do sono atrasar, restam ainda sete ou seis horas, as quais ainda estão no limite aceitável. Estabelecidos esses dois pontos, Maria se organiza para as atividades diárias nos horários compreendidos entre 6 horas da manhã e 21h30. Feito isso, a organização do dia deve incluir alguns pontos fixos, como horários das refeições que, além de estarem atreladas ao ciclo circadiano (responsável pela noção dia-noite), também podem auxiliar na melhora da qualidade de sono. Alguns alimentos ajudam na síntese de melatonina (hormônio do sono) por terem como nutrientes o triptofano e o magnésio. Alguns exemplos são: banana, cereja, aveia, nozes, brócolis, amendoim, ervilha, abacate, sementes de abóbora, entre outros. O bônus é que esses nutrientes (triptofano e magnésio) também participam da síntese de serotonina, a qual é responsável por trazer alegria e satisfação.

Na depressão, a síntese de serotonina é diminuída; logo, ingerir esses alimentos pode ser um fator protetor e também indispensável no tratamento. 

A última refeição noturna deve ser feita pelo menos duas horas antes do horário de dormir, pois ir pra cama com a barriga cheia atrapalha o relaxa- mento e o sono reparador. Os alimentos consumi- dos no período noturno devem ser leves. Alimentos gordurosos tendem a necessitar de mais tempo de digestão, não sendo recomendados para o período noturno, em que cérebro e corpo já estão realizando outras funções. 

Ao acordar, é importante que haja o contato com a luz solar. Ela é a principal reguladora do ciclo circadiano. Desse modo, você pode abrir a janela, respirar fundo e fazer alguma atividade relaxante, como leitura, oração, ouvir música, entre outras. Essas atividades trarão para seu cérebro uma associação muito positiva, visto que, ao entrar em contato com a luz, nossa retina envia uma mensagem para que seja liberado o hormônio cortisol. Esse é o responsável por nos manter alertas; porém, em altas concentrações, é o principal “vilão” do estresse. Quando estamos em uma atividade relaxante e temos esse contato com o cortisol, o cérebro guarda a informação de que, mesmo na presença dele é possível se manter tranquilo. Por isso, atividades relaxantes logo cedo são tão importantes para um dia produtivo e sem estresse. 

Saber que o sono e a vigília são guiados por um ciclo nos faz entender melhor o quanto dormir é importante e como nosso corpo trabalha para isso. Você já deve ter reparado que durante o sono não sente fome nem vontade de ir ao banheiro para o “número dois”, não é mesmo? E que após o almoço costumamos ficar mais sonolentos. Essas percepções têm uma explicação em comum: são regidas pelo ciclo circadiano, que regula a produção e liberação de hormônios. À noite você não sente fome porque está em alta no corpo o hormônio da saciedade (leptina). Ao acordar, o hormônio da fome (grelina) entra em ação. Quando não dormimos adequadamente, temos a tendência de sentir mais fome e priorizar doces e alimentos gordurosos. Adolescentes não sentem fome de manhã cedo, pois eles ainda não estão totalmente despertos. Nessa fase, eles passam por um atraso do ciclo e, assim, só sentem fome próximo ao horário do almoço. Falando nessa refeição, a sonolência após ela ocorre porque temos uma redução do cortisol circulante entre os horários das 12 às 14 horas. Também ocorre, nesse mesmo horário, uma diminuição da temperatura corporal, que reforça mais ainda o sono. 

Outro pilar importante para um sono reparador é a prática de exercícios físicos. Esse bom hábito e, principalmente, os hormônios liberados após sua realização, auxiliam no relaxamento. Para quem sofre com insônia e ansiedade, o exercício físico não é apenas importante: ele é imprescindível. O efeito do exercício em termos de resposta cerebral a um estímulo é semelhante ao que lemos acima sobre a luz solar. Durante o exercício, sentimos o coração acelerar, a respiração ficar rápida e, às vezes, ofegante, sentimos sudorese; reações presentes também durante uma crise de ansiedade ou estresse. No entanto, após essas sensações do exercício, vem a liberação da endorfina e passamos a sentir paz e alívio. Essa sequência de sensações deixa no cérebro a memória de que nem sempre coração acelerado e respiração ofegante são ruins, pois podem ser seguidas de boas sensações. Então, além de promover o relaxamento, o exercício gera recursos para nos regularmos diante dos estresses da vida e, por ser um importante regulador para o estresse, auxilia na melhora da qualidade de sono. 

O estresse e a ansiedade são os maiores vilões do sono, pois eles são os responsáveis por aumentar  o nível de cortisol circulante no corpo. Para dormir precisamos que o hormônio melatonina nos deixe sonolentos e que baixe nossa temperatura. Porém, ela e o cortisol não trabalham juntos. Para que um faça seu trabalho o outro precisa estar em baixa. Assim, com níveis elevados de cortisol, a melatonina não é liberada e o sono não vem. O cansaço até aparece, mas o sono não. 

Desse modo, para diminuir o estresse após um dia de trabalho, é preciso descansar; porém, muitos de nós temos feito isso de forma errada por não entendermos o que é descanso. Essa prática precisa promover o relaxamento e o bem-estar, e isso de for-ma duradora. Logo, passar tempo nas redes sociais, assistir a séries e filmes, e usar jogos eletrônicos não se configuram como práticas de descanso, pois, apesar de promoverem prazer, não geram bem-estar duradouro. Ao realizar essas atividades, estamos estimulando o sistema de recompensa. Desse modo, rolamos o feed de nossas redes, recebemos uma atualização, a qual nos causa uma pequena descarga de dopamina. No entanto, a sensação é passageira e logo queremos mais. O mesmo ocorre com os filmes e as séries. Quem nunca sentiu tristeza após assistir a um filme ou série, mesmo tendo se divertido durante o percurso? O que fazemos quando isso ocorre? Procuramos outro filme e outra série! Por-que queremos mais dopamina e nunca relaxamos completamente. 

Assim, o descanso da noite deve ser permeado de bem-estar duradouro, para que, quando deitamos, o cérebro esteja feliz e não processando cenas e centenas de imagens e vídeos. Alcançamos esse bem-estar quando rimos em família, lemos algo prazeroso, ouvimos uma música tranquila, tomamos um banho relaxante, após a relação sexual com o cônjuge, dentre outras atividades. 

Mesmo após esse tempo de descanso das atividades de trabalho, é necessário preparar o cérebro e o corpo para dormir. Fazemos isso por meio de rituais, que são sequências de atividades repetidas diariamente, tais como escovar os dentes, lavar o rosto ou tomar um banho, vestir o pijama, entre outras. Além do ritual de higiene que já é associado ao sono e por isso auxilia no relaxamento, muitas vezes se faz necessário acrescentar alguns elementos para que o sono venha mais rápido, principalmente para quem sofre com insônia. 

Uma estratégia muito boa para relaxar é escrever. Você pode utilizar o seguinte roteiro: (1) O que eu gostei do dia de hoje? (2) O que eu não gostei ou me deixou irritado(a)? (3) Sentimentos que não quero sentir. (4) Sou grato(a) por… Os maus sentimentos você pode cortar e jogar fora, e imaginar que está colocando fora da sua mente. A técnica da escrita é chamada de escrita terapêutica e é eficaz porque ajuda na organização da mente. Quando revivemos o que foi bom no dia, os bons sentimentos voltam. Quando escrevemos o que não gostamos no dia, descarregamos os maus sentimentos e ajudamos a mente a não ficar com eles guardados. Ao jogar fora, sinalizamos para nossa mente que não tem necessidade de ficar reprocessando aquela dor. Por vezes, ao fim dessa técnica, percebe-se que aquilo que estava machucando nem era tão ruim assim. 

Após essa atividade, respire fundo. Você pode usar a técnica de respiração 4, 7, 8. Puxe o ar por quatro segundos, segure por sete segundos e expire por oito segundos. Essa técnica acalma, oxigena o cérebro e, por consequência, auxilia na diminuição do cortisol e na liberação da melatonina. 

Práticas de oração também costumam acalmar e relaxar, principalmente quando feitas em voz alta. Expressar os sentimentos é uma forma de organizar a mente. Isso traz a percepção de que nossos problemas que anteriormente pareciam tão grandes são de resolução possível. Ao mesmo tempo, durante a oração, costuma-se agradecer. O agradecimento auxilia na liberação de boas substâncias no corpo, pois ele traz à mente boas lembranças. 

Resumindo: para uma boa noite de sono é preciso ter um bom dia. Inicia-se com planejamento, considerando os horários de acordar, de fazer as refeições e de dormir. Expor-se ao sol, fazer exercícios e ter atividades relaxantes no início da manhã ajuda a diminuir o estresse no fim do dia. Ainda assim, no fim do dia, o melhor descanso é gastar tempo longe das telas e na presença de pessoas queridas, seguido de momentos de relaxamento mental por meio de escrita ou oração e técnicas de respiração. 

Rayanne Branco

Mestre e doutoranda em Enfermagem 

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