sábado, 27 abril

Em um mundo movido pelo ritmo acelerado e pelas exigências incessantes do cotidiano, a busca contínua por doces emerge como uma resposta à nossa jornada frenética. A vida de muitas pessoas é permeada por prazos apertados e compromissos intermináveis, criando uma demanda insaciável por recompensas instantâneas que promovam algum tipo de consolo emocional. Nesse contexto, os alimentos açucarados tornam-se não apenas um escape sensorial, mas uma forma tangível de busca por gratificação em meio à sobrecarga de atividades. 

Na “caçada” desenfreada por estímulos de recompensa, muitos apelam por “indulgências” açucaradas, e desse cenário emerge uma conexão intrigante com o aumento dos casos de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. 

Nesta edição, serão abordados possíveis segredos por trás dessa relação complexa, lançando luz sobre alguns estudos que revelam como o açúcar, o cúmplice culinário da maioria dos brasileiros, pode ser um fator desencadeante nas tramas das doenças que debilitam o cérebro. 

Esta matéria é mais do que um alerta de saúde – é um convite para repensarmos nossa relação com os sabores doces, desmistificar a conexão entre o teor de açúcar no sangue e as doenças neurodegenerativas, e pavimentar o caminho para um futuro no qual a doçura da vida não comprometa a clareza da mente. 

O CÉREBRO PRECISA DE AÇÚCAR 

O açúcar é visto como um grande vilão das dietas, e há quem pense que ele deveria ser “banido” de toda e qualquer refeição. Contrariamente à crença popular, o açúcar é um com- ponente crucial para o funcionamento adequado do corpo humano, inclusive do cérebro, uma vez que é a principal fonte de energia do organismo.

O cérebro é, de longe, o órgão mais ávido por energia, consumindo cerca de 50% de todo o açúcar do corpo. Se o nível de açúcar no sangue estiver muito baixo, o cérebro simplesmente não conseguirá funcionar corretamente. É claro que ainda funcionará até certo ponto, mas, as- sim como não se pode correr uma maratona sem reservas de energia sufi cientes, não é possível esperar que o cérebro seja tão aguçado quanto poderia ser se não tiver sufi ciente acesso à glicose. 

As moléculas de açúcar participam de processos como reconhecimento celular, comunicação intercelular e estruturação de componentes celulares. De fato, são fundamentais para o funcionamento adequado dos sistemas biológicos em níveis micro e macroscópicos. O aler- ta é realmente com relação ao tipo de fonte de açúcar e à quantidade ingerida. 

O que de fato tem preocupado os profissionais de saúde é que nessa “era da sobrecarga” a busca por alimentos doces tem aumentado de forma alarmante. O frenesi da vida moderna muitas vezes faz com que as pessoas nutram um forte desejo de sentir os efeitos da dopamina (neurotransmissor da felicidade) que é liberada pelo cérebro em resposta ao consumo de açúcar e proporciona uma sensação temporária de prazer e alívio do estresse, transformando os doces em aliados momentâneos na luta contra a exaustão diária. 

Assim, a crescente frequência na busca por alimentos açucarados pode ser interpretada como uma tentativa inconsciente de equilibrar a intensidade da vida moderna, oferecendo um doce refúgio em meio ao caos. O grande problema é que a busca por esse mecanismo de recompensa pode levar a pessoa a um quadro de dependência, sem que perceba, e com isso pode estar se submetendo ao risco de desenvolver uma série de doenças, especialmente relacionadas à resistência de insulina. Um teste rápido para conhecer seu nível de adição ao açúcar está no fato de você sentir a necessidade diária de comer algum “docinho”, sem- pre após as refeições principais e/ou entre as refeições. Se sua resposta for positiva, é preciso ficar atento. 

Para que o corpo funcione adequadamente, a quantidade de açúcar precisa ser controlada. É aí que entra em ação um hormônio muito conhecido: a insulina. Porém, poucos conhecem sua importante atuação no cérebro. 

INSULINA E CÉREBRO Quando pensamos em insulina, frequente-mente nos concentramos em seu papel como guardiã do nível de açúcar no sangue. No entanto, a atuação desse hormônio vai muito além disso, atuando inclusive no cérebro, onde desempenha funções igualmente cruciais, especialmente para as células que dão suporte para os neurônios, chamadas células da glia. Dentre as principais funções da insulina no sistema nervoso central destacam-se o controle da ingestão alimentar, função cognitiva, desenvolvi- mento neuronal, regulação da memória e remoção de proteínas beta-amiloide, que, quando acumula-das, podem formar placas no cérebro, uma característica marcante da doença de Alzheimer. Em resumo, dietas com muito açúcar podem levar o indivíduo a desenvolver resistência à insulina e aumentar a quantidade de substâncias inflamatórias no sistema nervoso central, prejudicando grandemente o cérebro. Esses fa- tores tornam mais difícil a atuação das células da glia na remoção dos resíduos entre as células nervosas e oportunizam um cenário propício para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Um estudo liderado por Paul Crane e colaboradores e publicado na revista New England Journal of Medicine pesquisou a relação entre os níveis de glicose no sangue e o risco de demência. O estudo analisou mais de 2 mil participantes. 

Todos eram pacientes do Grupo Cooperativo de Saúde, uma grande unidade de saúde no estado de Washington. Os dados forneceram evidências de que níveis mais elevados de glicose estão associados a um risco aumentado de demência. 

É valido lembrar que em casos de demência, como o Alzheimer, verificam-se problemas no funcionamento e na sobrevivência das células cerebrais. Essas células são essenciais para comunicação, processamento e armazenamento de informações. 

O enigma do Alzheimer transcende o simples envelhecimento, mergulhando-nos numa intrincada rede de mudanças cerebrais que afetam memória, aprendizado e autonomia. À medida que as sinapses neuronais se desintegram, o hipocampo e o córtex entorrinal tornam-se os primeiros alvos dessa tragédia cognitiva, seguidos por regiões que governam linguagem, raciocínio e comportamento social. A evolução crônica dessa enfermidade culmina na perda da autonomia, um destino doloroso e inevitável para aqueles acometidos. 

No epicentro desse drama cerebral está o açúcar, um fator de risco agora considerado com maior seriedade. A dificuldade de as células da glia eliminarem as proteínas beta-amiloide favorece a formação de depósitos que sabotam a comunicação e a regeneração do tecido nervoso. 

Outro estudo recente de pesquisadores do Centro de Pesquisa de Câncer Fred Hutchinson, nos Estados Unidos, focou nos efeitos da resistência à insulina nas células gliais, que dão suporte aos neurônios. Os resultados foram publicados na revista científica PLOS Biology. Estudos anteriores já haviam revelado que a obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de distúrbios neurodegenerativos. Contudo, a nova pesquisa sugere que a raiz dessa relação está na dieta ingerida. 

Existem inúmeras razões para o desenvolvimento dessas doenças, e uma delas é que mudanças na forma como o corpo processa o açúcar podem ser responsáveis por um cenário favorável ao surgimento e/ou evolução da demência, especialmente o Alzheimer. Entre esses problemas, destaca-se um aumento na deposição de proteínas “anormais”, chamadas beta-amiloide, que se agrupam fora das células nervosas, formando, como já mencionamos, placas que prejudicam a função de áreas importantes do cérebro, como o hipocampo, responsável por lembranças e pensamentos. Surpreendentemente, esse acúmulo da beta-amiloide pode começar até 15 anos antes de qualquer sinal de Alzheimer aparecer. Essa descoberta é essencial para entender melhor como a doença se desenvolve. 

Outro fator é a inflamação, uma resposta do sistema imunológico que, quando desregulada, pode danificar as células nervosas. 

Além disso, considerando que o aumento da expectativa de vida faz com que as doenças neurodegenerativas relacionadas à idade aumentem, essa informação é bastante importante. Dessa forma, é possível basear políticas públicas que visem prevenir as doenças e melhorar a qualidade de vida das pessoas no processo de envelhecimento. 

Apenas 25% dos países têm uma política, estratégia ou um plano nacional para apoiar as pessoas com demência e suas famílias, de acordo com o relatório “Global status report on the public health response to dementia”, divulgado em 2021 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Ainda, de acordo com o relatório, mais de 55 milhões de pessoas (8,1% das mulheres e 5,4% dos homens com mais de 65 anos) estão vivendo com demência. Estima-se que esse número aumente para 78 milhões em 2030 e 139 milhões em 2050. 

Compreender os mecanismos que podem desencadear esses fatores prejudiciais ao centro de controle do corpo humano tem sido foco de novas pesquisas, e descobertas recentes reforçam a importância de um olhar diferenciado para nossa dieta. 

De acordo com a OMS, cada brasileiro consome cerca de 30 kg de açúcar por ano. Fazendo as contas, isso quer dizer aproximadamente 18 colheres de chá de açúcar por dia. No entanto, a recomendação é consumir no máximo 18,2 kg de açúcar por pessoa durante um ano. Ou seja, o consumo brasileiro está fora do padrão recomendado. A recomendação é que o consumo não ultrapasse 10% do total de calorias diárias, mas o ideal seria que não chegasse nem a 5%. 

DISFARCES AÇUCARADOS 

À primeira vista, inocentes alimentos cotidianos como molhos de salada, iogurtes “saudáveis” e até mesmo pães integrais podem esconder quantidades surpreendentes de açúcar, deslizando sorrateiramente para nossas dietas diárias. Enquanto os chocolates e bolos assumem o papel de vilões óbvios, os “vilões ocultos” operam nas sombras, desafiando-nos a olhar para além da superfície de nossas escolhas alimentares.

A verdade é que muitos dos produtos que alguns imaginam ser saudáveis podem ser verdadeiros camufladores de açúcar. Molhos de tomate, cereais matinais e até mesmo alguns alimentos rotulados como “light” podem ser os culpados secretos por uma overdose de doçura. Ao desvendar esses disfarces, estamos desafiando as expectativas, convidando nossos leitores a questionar o que realmente estão consumindo e a adotar uma postura mais informada em relação às escolhas alimentares do dia a dia. 

Ao adotar uma abordagem consciente e informada em relação ao consumo de açúcar, não apenas estamos cuidando de nossa saúde física, mas também promovendo bem-estar mental e emocional equilibrado. A jornada para uma vida mais doce e saudável começa com pequenos passos, e cada escolha positiva nos aproxima desse objetivo. 

Ao adotarmos escolhas conscientes, podemos proteger não apenas o corpo, mas também preservar a saúde do cérebro, reduzindo o risco de doenças neurodegenerativas. O caminho para uma vida mais doce e saudável começa com pequenas mudanças em nossa relação com o açúcar. 

Lembre-se: a verdadeira doçura está na harmonia entre o prazer e a saúde. 

Liziane Conrad

Mestre em Biociências e Saúde 

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