Quem tem mais informação sempre está à frente. Será? Às vezes, saber demais pode ter mais a ver com o problema do que com a solução. – Julie Grüdtner
Mais um dia de trabalho. Você chega à sala e acende a luz. Ajeita coisas na mesa. Senta-se na cadeira, começa a ligar o computador. Celular toca. Tira-o da bolsa, desbloqueia. Lê a mensagem, responde ao remetente. Sai do aplicativo e aproveita para conferir o Instagram. Três curtidas novas na foto de terça. “Hum…” Checa stories recentes, vira o celular de lado. Concentração. Passa vídeos, olha quatro ou cinco fotos do feed. Percebe que já se passaram 15 minutos. “Eita!” Digita a senha no computador, alonga a coluna, gira o pescoço. Abre a caixa de entrada. Apaga newsletters desnecessárias, responde a e-mails. “Acho que hoje vou almoçar no shopping.” Abre o navegador para pesquisar algo, mas se distrai com notícias da página inicial. “Mas bem que tem aquele especial na marmita do Zé.” Celular toca, você dá uma olhada. Vídeo. Assiste baixinho e olha o grupo de WhatsApp dos amigos. “Figurinha nova, deixa eu salvar.” Gatinhos, urso panda, crianças rindo, crianças caindo, vídeo conspiracional contra o presidente. Gol do time X, time Y desce de classe. Fotos, GIFs, cores, sons, ideologias, frases de efeito, ideias, planos. Notificação. Responde à mensagem, olha a hora. “Eita!” Olha para a janela. Pensa nos boletos. “Será que é hoje meu almoço com a Fernanda?” Guarda o celular na gaveta. Confere a lista de afazeres. “Nossa! Preciso fazer tudo isso!” Suspira. “Poxa vida, hoje em dia o tempo está passando rápido demais…”
Vivendo num mundo conectado 24/7, não damos conta do papel que deixamos a informação adquirir no dia a dia. São informações que muitas vezes não buscamos, mas que de alguma forma chegaram até nós e se fizeram necessárias. Tragédias naturais, atentados, decisões políticas, mercado de ações, listas de compras, receitas, fofocas, premiações cinematográficas…
Essa nossa sociedade viciada no consumo de informação anda olhando para baixo e direciona grande parte de sua atenção para questões anteriormente supérfluas. Porém, é chegada a hora de encarar a verdade: esse estilo de vida conectado está nos afetando mais do que gostaríamos e precisamos questionar o qu
e estamos sacrificando em favor da atualização.
Más notícias
Um sentimento de alarmismo domina o coração de quem acompanha notícias regularmente. Embora tragédias naturais, assassinatos e crises humanitárias sempre tenham acontecido, a sensação é de que elas ocorrem o tempo todo.
A revista Time publicou em 2018 uma pesquisa sobre os efeitos de notícias negativas na população norte-americana. Foi revelado que um em cada dez adultos verifica notícias em torno de dez vezes ao dia e 20% deles monitora seus feeds de mídia social constantemente. Desses, mais da metade sente estresse, ansiedade, fadiga e perda de sono por causa da leitura constante de notícias.
Em outro estudo, um grupo de psicologia da Universidade de Sussex, no Reino Unido, concluiu que os participantes que assistiram notícias negativas ficaram mais ansiosos e tristes, além de mostrar forte tendência em tornar situações pessoais simples em catastróficas.
A problemática das notícias negativas se torna mais profunda quando fica evidente a intenção dos noticiários em chocar. De acordo com o sociólogo Hélio Furtado, os profissionais da mídia sabem que as notícias negativas têm grande repercussão, mesmo que nem sempre retratem a realidade corretamente. Entretanto, a mídia não é de todo culpada. A própria audiência demonstra interesse em consumir notícias chocantes. Na visão de Furtado, “o ser humano está em franca degeneração, o que parece fazer aumentar cada vez mais seu prazer e desejo pela tragédia, pela destruição, pelo conflito”.
Olho gordo
De acordo com Furtado, a informação representa uma forma de poder. Ter informação é estar à frente, mesmo que ela não seja necessariamente relevante para a vida das pessoas. Ele diz que, na contemporaneidade, o ser humano encontrou nos meios repletos de informação um “banquete ao desejo inato pelo saber”. Mas esse banquete, se não for aproveitado com moderação, pode gerar o que é chamado de “sobrecarga de informações”.
O termo foi usado pela primeira vez no livro The Managing of Organizations, de Bertram Gross, em 1964. De acordo com Gross, a sobrecarga de informações ocorre quando a quantidade de entrada para um sistema excede sua capacidade de processamento. Ou seja, a informação é tanta que o sistema, neste caso, o cérebro, não consegue assimilar tudo com qualidade. Isso gera uma infinidade de efeitos adversos, como aumento de decisões ruins.
A sobrecarga de informação pode levar à “ansiedade da informação”, quando não entendemos o que achamos que deveríamos entender.
Mito da multitarefa e cientistas malucos
Quem já assistiu ao filme “De Volta Para o Futuro” se lembra do querido cientista descabelado que inventa a máquina de viajar no tempo, doutor Brown. Famoso por suas ideias “fora da casinha”, o velhinho era capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo, mesmo em ambientes de agitação e superestímulo. Não conhecemos a mente do doutor Brown, mas se tivéssemos uma tomografia do cérebro dele notaríamos claramente algum tipo de mutação neural. Veremos o porquê.
O professor de Neurociência no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Earl Miller, diz que a capacidade de atenção do cérebro é mais limitada do que imaginamos. Miller explica que o cérebro só tem capacidade de concentrar-se em uma coisa por vez, ou seja, “multitarefar” é um mito – ou melhor, é coisa de filme.
A combinação formada por excesso de tarefas e curta periodicidade entre elas é uma fórmula perfeita contra a produtividade. É bem mais provável que as tarefas estejam mal executadas, apesar da sensação de dever cumprido.
Como o cérebro gasta energia para se concentrar em cada nova tarefa, quanto mais forem as atividades, mais energia mental ele gasta, diminuindo a qualidade de cada uma delas. Portanto, alternar entre várias tarefas exige mais energia mental para voltar aos trilhos.
Precisamos aceitar que não é possível realizar muitas atividades ao mesmo tempo. Na verdade, se forçarmos a mente mais do que ela aguenta, o sistema pode falhar.
Inimigo da produtividade
O corpo humano não está acostumado ao excesso de informação. Fomos criados para funcionar num ritmo x, e quando excedemos esse ritmo – em momentos de agitação e superestímulo –, o organismo utiliza ferramentas para evitar uma pane no sistema. Uma dessas ferramentas é a liberação do cortisol, hormônio produzido pela glândula adrenal. A maioria das células do corpo usa cortisol para diversas funções, incluindo regulação do açúcar no sangue, redução de inflamação, regulação do metabolismo, formulação de memória.
Por isso, o cortisol em si mesmo não tem nada de ruim, mas, como dizia nossa mãe, “tudo que é demais faz mal”. Altos níveis de cortisol podem causar vários sintomas em todo o corpo: ganho de peso, principalmente ao redor da barriga, fraqueza muscular, fadiga severa, irritabilidade, dificuldade de concentração, pressão alta e dor de cabeça.
O cortisol também ajuda a limitar todas as funções que não são essenciais em uma situação de luta ou fuga. Depois que a situação passa, seus hormônios retornam aos níveis habituais, mas, quando você está sob estresse constante, essa resposta nem sempre é desativada. A exposição de longo prazo ao cortisol e outros hormônios do estresse pode causar estragos em quase todos os processos do corpo, aumentando o risco de muitos problemas de saúde, de doenças cardíacas e obesidade, ansiedade e depressão. Ótima condição para ir trabalhar, não?
#falhadefiltro
Na Exposição Web 2.0 de Nova York, em 2008, Clay Shirky indicou que a sobrecarga de informação na era moderna é consequência de um problema mais profundo que ele chama de “falha de filtro”. Ele usa o exemplo da quantidade de mensagens indesejadas que recebemos por e-mail, como spam, mas pode ser aplicado a notificações do Facebook que não mais têm que ver unicamente com nossa vida, como convites de websites, “oportunidades únicas” para comprar aquele par de tênis pesquisado há dois dias, sugestões de contas para seguir no Instagram, e a lista continua eternamente. Essas distrações acumuladas, que sugam tempo e energia para sua verificação, geram uma sobrecarga de informação. Mas para Clay esse desgaste pode ser evitado com um simples ajuste de filtros, bloqueando a chegada de elementos distrativos.
Por causa da curiosidade natural do ser humano em explorar e formar seu mundo, ele vai naturalmente em busca de informação constante. Porém, como toda informação gera um estímulo, o excesso de informação também estimula excessivamente. Isso exige uma capacidade maior de filtragem para saber o que se vai assimilar e conferir sua utilidade.
Sandra e os morangos
Até as questões mais banais podem embaralhar a mente de quem está sobrecarregado – seja ela desenvolvida quanto for. O psicólogo Belisário Marques conta que a Era da internet tem levantado questões no mínimo pitorescas em seus pacientes, como no caso de Sandra. Bem-sucedida e de alto nível socioeconômico, Sandra tinha um relacionamento feliz com o marido. Porém, após descobrir em uma rede social que o beijo do amor verdadeiro precisaria ter gosto de morango, a mulher começou a questionar se seu casamento não era uma farsa.
“Esse é o ponto a que nós chegamos”, reflete Belisário. “E ainda precisei de três consultas para a desmistificação do morango.” O caso de Sandra é um exemplo perfeito de como crenças e ideias contraditórias passam despercebidas no banquete da informação. Belisário explica que o ser humano crê no que percebe e interpreta o que percebe. Logo, se ele pega informações alheias à sua vida, irá interpretá-las de acordo com seu mundo – completamente fora de contexto. Isso afetará diretamente suas decisões, valores, crenças, enfim, sua personalidade.
Mais é menos
O excesso tende a causar mais confusão do que conhecimento a respeito do que realmente importa. De acordo com Furtado, o maior desafio é justamente “a transformação de informação pura em conhecimento útil, em percepção relevante da realidade para tornar a vida menos difícil”. É por isso que informação não é sinônimo de conhecimento.
Furtado nota que a maioria das pessoas não possui senso crítico suficiente para filtrar a quantidade excessiva de informação que é constantemente absorvida. Para ele, há uma confusão entre a agilidade e o afobamento, eficiência e pressa. Essa confusão nos torna mais ansiosos e sem controle de questões simples e essenciais para uma vida feliz: boa relação com os outros e satisfação pessoal.
“As relações estão cada vez mais confusas, sejam as do homem com a informação, do homem consigo mesmo e, especialmente, dele com seu semelhante. Pensando bem, somos um reflexo bastante preciso da definição da informação da atualidade: temos tanto e ao mesmo tempo vivemos com tão pouco sentido e compreendemos raramente o significado do que pensamos saber”, reflete o sociólogo inconformado. “A regra geral infelizmente aponta pessoas desnorteadas, informações desencontradas e ineficientes.”
Hora da limpeza!
Dormir geralmente não é uma opção para quem está com muita informação na cabeça. Parece até perda de tempo. Porém, quando falamos da qualidade do trabalho e não da quantidade de tarefas cumpridas, somente uma boa noite de sono pode garantir uma execução eficiente durante o dia. A neurologia nos conta que acontece certo tipo de limpeza na memória enquanto dormimos.
É como uma faxina caseira. Jogamos fora tudo que não é relevante e colocamos no lugar tudo que é importante. Esse processo é essencial para evitar uma sobrecarga cerebral, pois a maioria das informações que recebemos todos os dias é desnecessária e não faz sentido mantê-las, assim como a poeira do chão da casa.
Embora essa faxina seja natural, o processo pode ser interrompido quando a casa está suja demais. Em outras palavras, quando há sobrecarga de informação no cérebro, o sono é substituído pelo seu inimigo: a insônia. Uma publicação do portal Harvard Health Publishing explica que a insônia deixa a pessoa sonolenta durante o dia e com a sensação de fadiga. A falta de descanso também piora o desempenho cognitivo de funções como armazenamento de dados, concentração e habilidade de realizar tarefas complexas com eficiência.
Portanto, da próxima vez que você estiver com a mente carregada de informação, pode ir tirar uma soneca sem culpa. Seu cérebro ficará limpinho!
Saída de emergência
Se você se sente sobrecarregado, irritado ou desconcentrado, é hora de adquirir ferramentas para lidar com o excesso de informação. Isso não quer dizer que você precise sair de todas as redes sociais ou parar de ler notícias – embora o detox de informação seja um bom começo –, mas entender que é preciso disciplina para evitar um curto-circuito mental.
Estima-se que o ser humano tome aproximadamente 35 mil decisões por dia. Muitas delas passam despercebidas, mas a maioria suga alguma energia do cérebro para ser tomada. Chamamos de fadiga de decisão esse excesso de escolhas que precisam ser tomadas diariamente. É por isso que algumas pessoas adquirem métodos diferentes de gerenciamento de informação e tempo gasto, como evitar decisões desnecessárias.
Um grande exemplo disso é o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que usa praticamente a mesma combinação de roupa todos os dias. Em entrevista para a revista Vanity Fair ele justifica: “Estou tentando reduzir as decisões.
Não quero tomar decisões sobre o que estou comendo ou vestindo. Porque eu tenho muitas outras decisões a tomar.”
Estabelecer limites é sempre um bom começo. Limites para o tempo gasto em notícias e redes sociais, limites para distrações e limite para decisões triviais. Priorize suas atividades importantes e não seja refém de datas de entrega. É essencial abrir o Instagram em todos os intervalos do trabalho? E se sua mente estiver muito cheia quando precisar terminar alguma tarefa específica, faça uma pausa e anote num papel tudo o que está distraindo você.
Crie tempo para acalmar a resposta de estresse do sistema nervoso e voltar ao normal observando o verde da natureza por algum tempo. Ter uma planta no ambiente em que você costuma realizar atividades mais complexas ajuda a aliviar a vista da tela do computador.
O doutor Belisário Marques sugere duas perguntas para se fazer quando se deparar com novas informações: (1) Em que essa informação contribui para meu crescimento? (2) Isso me torna um ser humano melhor? A exemplo do caso de Sandra, não interprete sua vida através de tudo que vê; apenas relacione o valor da informação com o que você busca para sua vida. “Se a informação não tem valor prático, então por que deixar aquilo tomar tanto tempo da vida? É preciso ser firme para filtrar a informação que deixamos penetrar”, conclui o psicólogo.
Julie Grüdtner é Estudante do quarto ano de jornalismo do Unasp, campus Engenheiro Coelho
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