Com tantas responsabilidades, muitas vezes não sobra tempo para os cuidados com a própria saúde. O que fazer? – Liziane Conrad Costa
Dona de casa, esposa, mãe, educadora, profissional, empreendedora… Tudo isso “dentro” de uma mulher só! O que se passa na cabeça dela quando o assunto é carreira e maternidade? E ainda: Como esse perfil multitarefa tem impactado sua saúde?
Muita coisa mudou desde o tempo da vovó, em que a mulher era “apenas” dona de casa, não é mesmo? Agora, além das atribuições domésticas, a vida dela tem sido preenchida com muitas outras responsabilidades, especialmente no âmbito acadêmico e profissional. E, como se não bastasse, diante dessa rotina intensa, ainda é preciso “dar conta” de manter sempre uma ótima aparência, haja vista os elevadíssimos padrões de beleza exigidos.
Sem sombra de dúvida, algo marcante sobre a mulher contemporânea é o perfil multitarefa incorporado por ela, como se pudesse literalmente “abraçar o mundo”. Além de sobrecarregada de afazeres e de obrigações, está sempre cobrando de si mesma a perfeição em tudo aquilo que faz. Equilibrar as exigências familiares, profissionais, religiosas, educacionais e pessoais está longe de ser fácil tarefa. Superpoderes? Quem dera! A resposta está na habilidade “adaptativa” que cada uma desenvolve para enfrentar a acirrada competição no ambiente de trabalho e nos malabarismos para superar os conflitos domésticos.
Essas “adaptações” da mulher moderna implicam mudanças, tanto para sua rotina quanto para seus projetos de vida e suas consequentes escolhas. Uma das áreas que têm experimentado impacto importante em face de todas essas modificações é a maternidade.
O que mudou na maternidade
Obviamente a mulher moderna tem ambições diferentes daquela dos anos 1950. O foco de vida, outrora centrado no lar e na maternidade, passou a incluir uma série de outras atividades, especialmente as de cunho profissional. O fato é que as mulheres vêm se destacando cada vez mais em suas áreas, assumindo posições de liderança e de destaque nas empresas. E em face disso, estão acumulando cada vez mais tarefas e funções, dentro e fora do âmbito profissional. Em virtude de todas as demandas referentes à carreira e ao estudo, o projeto de ter filhos tem sido preterido ou sistematicamente adiado.
De acordo com as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), as mulheres ocupam cerca de 37% dos cargos de liderança e chefia. As aspirações pelas carreiras profissionais mais promissoras têm motivado muitas brasileiras a “abrir mão” da maternidade. Ainda de acordo com o Instituto, em 2004 elas representavam 10% da população feminina do país. Uma década depois, o percentual subiu para 14%.
Outro cenário mais frequente nos dias atuais configura-se em mulheres que procuram conciliar a carreira com o sonho de ser mãe. A solução encontrada por algumas está na maternidade tardia, entre 30 e 39 anos, e na menor quantidade de filhos, conforme resultados da pesquisa “Estatísticas do Registro Civil 2017”, divulgada pelo IBGE.
Um dos maiores desafios da mulher que opta pela maternidade é o de harmonizar o tempo gasto com o trabalho formal com o da rotina de cuidados e afazeres domésticos. É aí que muitas se veem numa rotina cansativa que envolve a chamada dupla jornada de trabalho.
Jornada dupla
Em abril de 2019, o IBGE divulgou os resultados de um estudo por meio de um módulo especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) evidenciando que as mulheres trabalham, em média, 3,1 horas a mais que os homens. O cálculo teve por base o tempo dedicado à atividade laboral e ao cuidado da casa, bem como de seus moradores, referentes a 2018.
Quanto ao cuidado de familiares (filhos, idosos ou enfermos), verificou-se que 37% das mulheres realizavam essa atividade enquanto somente 26,1% dos homens declararam participar dessa tarefa. A maior diferença entre homens e mulheres foi percebida em atividades relacionadas ao auxílio nos cuidados pessoais e educacionais, e menor em ler, jogar ou brincar e transportar ou acompanhar em escola, médico e exames.
Apesar disso, a maior discrepância entre os sexos se verifica no tempo dedicado aos cuidados da casa, sendo que o sexo masculino representa 60,7% dos casos, ante 72% do feminino. O estudo constatou que as mulheres dedicam mais horas aos afazeres domésticos e cuidado de pessoas, mesmo em situações ocupacionais iguais às dos homens: elas dedicam uma média de 21,3 horas semanais, enquanto eles apenas 10,9 horas. Esse contraste entre homens e mulheres foi observado mesmo quando a mulher era cônjuge/companheira, ocupada ou não ocupada (desocupada ou fora da força de trabalho), conforme tabela abaixo:
Além disso, foi notória a desigualdade de horas despendidas de acordo com o tipo de tarefa desempenhada por sexo. Mais especificamente, a pesquisa abordou o tempo gasto em sete afazeres domésticos, demonstrados no gráfico a seguir, dos quais a mulher foi maioria em seis. A tarefa com maior diferença entre os sexos foi a de preparar ou servir alimentos e larvar louça, com incidência de 95,5% entre as mulheres e 60,8% entre os homens. O destaque masculino foi verificado apenas em “fazer pequenos reparos no domicílio” – 59,2% entre eles e 30,6% entre elas.
Entretanto, um fator que chama a atenção é que, apesar de a mulher ainda representar o maior percentual de realização dos afazeres domésticos – 14 pontos percentuais (pp) em 2018 –, a diferença diminuiu em comparação com os anos de 2017, cujo valor era de 15,3 (pp), e em 2016, 17,9 (pp), indicando uma tendência de redução.
Essa carga extra física e emocional é amplamente reconhecida em virtude dos resultados de diversas pesquisas. Nesse sentido, para o cálculo da idade de aposentadoria são consideradas essas “horinhas” a mais gastas cozinhando, limpando, passando, cuidando de animais e ajudando com o dever de casa dos filhos, etc. Em virtude disso, a legislação tem considerado justo que elas se aposentem antes dos homens.
Infelizmente, a jornada dupla de trabalho das mulheres ainda é invisível para a maioria das pessoas, e está longe de ser reconhecida verdadeiramente como uma jornada de trabalho. Diante dessa dedicação “extra”, o resultado, algumas vezes, é estresse, esgotamento físico e mental, ou ainda uma profunda frustração por não terem dado a devida atenção aos filhos, ao esposo ou simplesmente por não terem conseguido cumprir algo da lista de afazeres do dia. Muitas não conseguem se exercitar, ir ao médico com frequência, nem se alimentar bem, daí a justificativa para o aparecimento de doenças cada vez mais precoces.
Morbidade e mortalidade feminina
Uma consequência desse novo “padrão de vida” é que, em virtude de tantas responsabilidades, muitas vezes não sobra tempo para os cuidados com a própria saúde, e com isso perde-se qualidade de vida.
Numa perspectiva geral, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada dez mulheres, seis morrem de infarto, principalmente após a menopausa. Esse dado indica que as doenças cardiovasculares são o inimigo número um das mulheres e, assim, é essencial atentar para alguns fatores de risco importantes:
• Pressão alta
• Colesterol
• Obesidade abdominal
• Diabetes
• Sedentarismo
• Interação entre fumo
• Anticoncepcional
Diante desse quadro, percebe-se que essa rotina, pra lá de agitada, tem impactado negativamente a saúde feminina, prejudicando sua qualidade de vida e seu bem-estar. Para que a mulher moderna possa desempenhar todas as funções diárias com destreza e ainda ter qualidade de vida é preciso estar com a saúde em dia.
O poder de escolha
Uma das maiores conquistas das mulheres ao longo da história foi a liberdade de escolha. Como consequência disso, elas têm autonomia para optar por uma vida profissional, com ou sem filhos, ou podem simplesmente se dedicar à casa e ao cuidado
das crianças.
Independentemente da escolha, toda mulher moderna tem seus desafios e é preciso saber a hora de desacelerar e analisar o caminho que está sendo trilhado. Esse tempo é essencial para avaliar o rumo, bem como para realizar os ajustes necessários para retomar a “caminhada” de modo que se possa desfrutar de vida e saúde.
Liziane Nunes Conrad Costa é Graduada em Ciências Biológicas com ênfase em Biotecnologia, especialista em Morfofisiologia Animal e mestranda em Biociências e Saúde
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