quarta-feira, 08 maio

O autismo virou moda? Parece que agora todas as crianças são TDAH e quem não tem esse diagnóstico agora é laudado como TOD (Transtorno Opositivo-Desafiador). O mundo está sendo povoado por narcisistas? Essas são perguntas que muitas pessoas estão se fazendo ao se depararem com diagnósticos de pessoas conhecidas, amigos, familiares com laudo de neurodivergências (desenvolvimento neurológico diferente) e outras psicopatologias. Muitos acreditam que essas seriam as “modinhas da vez”, mas a realidade é que precisamos de mais orientações a esse respeito para saber a forma mais adequada de lidar com essa situação.  

MODISMO OU AVANÇO CIENTÍFICO? 

Será que algum pai gostaria de estar vivendo essa “modinha”? É fato inegável que houve um aumento em diagnósticos, mas isso ocorre em decorrência de maior capacidade técnica. Tudo isso tem possibilitado diagnósticos cada vez mais precoces, o que é extremamente importante e positivo, já que, quanto mais cedo, maiores as possibilidades no tratamento. 

O diagnóstico psicológico faz parte na realidade, de uma busca por autoconhecimento, e isso é essencial, já que ele possibilita acesso a nossos pontos fortes e nossas vulnerabilidades. 

Se você, enquanto pai ou mãe, soubesse que seu filho possui um transtorno de neurodesenvolvimento, que se apresenta de forma precoce e leva seu filho a dificuldades em comunicação, socialização, desenvolvimento de padrões restritos de comportamentos, como agiria? 

E se descobrisse que esse quadro gera em cerca de 70% dos casos pelo menos uma comorbidade, como por exemplo: déficit intelectual, transtorno desafiador, epilepsia, apraxia da fala, alterações no sono, transtorno bipolar, seletividade alimentar, desatenção, hiperatividade, entre outros? Por outro lado, se seu filho tivesse um diagnóstico precoce e então, já na infância, pudesse dar início ao tratamento e isso intensificasse as oportunidades de bom desenvolvimento, o que faria? 

Imagino que você, sem pensar duas vezes, iria o quanto antes buscar as melhores formas de ajudar seu filho. Mas sei que ainda segue necessitando de mais aprofundamento na resposta à questão relativa ao porquê de nos últimos tempos parecer estar havendo um aumento significativo de autistas, hiperativos, transtorno opositivo desafiador e outras psicopatologias. 

É fato que na atualidade houve um aumento significativo desses diagnósticos, e esse aumento é decorrente de maior capacidade técnica, de avanço da ciência ofertando mais conhecimento, e de fatores ambientais que possibilitam mais clareza para associações ao diagnóstico. Está havendo uma busca maior por se fazer diagnóstico, e isso não é algo ruim, pelo contrário: quanto mais precoce o diagnóstico, maiores as oportunidades de tratamentos e intervenções clínicas. 

PERIGO DO AUTODIAGNÓSTICO E DO “DIAGNÓSTICO GOOGLE” 

O efeito “modismo” talvez tenha sua origem em um problema que vem crescendo cada vez mais, desde a popularização dos autodiagnósticos ou

 diagnósticos feitos com base em dados encontrados em sites. Atualmente, muitas pessoas ouvem falar de sinais e sintomas de certas psicopatologias e então passam a diagnosticar a si mesmas, a seus familiares e amigos. 

Isso é extremamente corriqueiro e, ao mesmo tempo, muito sério, pois precisamos nos questionar se, de fato, temos a devida qualificação para diagnosticar. Se não possuímos preparo profissional adequado para isso, precisamos refletir que o que estamos fazendo não é “diagnosticando”, mas, sim, “rotulando”. Existem diferenças gritantes e um impacto gigantesco entre uma pessoa que foi devidamente diagnosticada e outra que foi rotulada. 

A pessoa devidamente diagnosticada passou por diversas avaliações psicológicas e psiquiátricas, foi submetida a testes rigorosamente validados, e após meses de intervenções, o profissional consegue fechar o diagnóstico. Para receber um rótulo, basta que qualquer pessoa, sem nenhuma formação ou qualificação profissional na área, tenha impressões e forme uma opinião a respeito de algum perfil comportamental do outro, e passe a compartilhar com outras pessoas seu “pseudodiagnóstico”. Pronto, o rótulo está “carimbado” e diversas vezes isso será uma marca da qual muitos terão até dificuldade de se libertar. 

O rótulo aprisiona a pessoa no estigma. O rótulo não visa ao bem-estar, ao tratamento ou à superação do outro. O rótulo gera peso, muitas vezes culpa, desamparo, vergonha, sofrimento, dor. Por outro lado, o diagnóstico é libertador, pois mostra ao sujeito a condição em que se encontra e permite-lhe traçar uma rota saudável e funcional para gerar nele liberdade, superação, crescimento, desenvolvimento, saúde, bem-estar e felicidade. 

O diagnóstico adequadamente realizado é um grande passo na caminhada de qualquer pessoa. Ele não é um fator definidor ou limitador, mas, sim, libertador. Ele não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida; aponta para onde você está, mas não para onde você poderá ir. O diagnóstico não é uma condenação, mas, sim, uma convocação. Ele convoca a pessoa a passar por um processo de mudanças, entrando no palco da própria vida e assumindo o papel de protagonista para se autorresponsabilizar pelas mudanças de que necessita realizar, a fim de superar seus desafios e limites, mudar seu estilo de vida para melhor. 

IMPACTO NA VIDA DA CRIANÇA SEM DIAGNÓSTICO 

Independentemente de qual seja o diagnóstico e do quão doloroso isso possa ser, é infinitamente mais desafiador não possuir clareza sobre a condição da pessoa. A criança que não possui diagnóstico e que tem alguma patologia ou condição especial inevitavelmente irá sofrer muito mais pela falta do diagnóstico do que pela ciência dele. 

Frequentemente recebemos no consultório psicológico pessoas com muitos sofrimentos e que os carregam há anos, sem ter respostas, sentindo-se inferiores, inadequadas, estranhas, carregando histórias de intensa dor, limitação, sofrimento por não terem tido acesso a um diagnóstico assertivo que as ajudaria a compreender suas necessidades, a buscar tratamento e ajuda profissional e até mesmo a respeitar a si mesmas e seus limites. 

A falta de diagnóstico acaba por aprisionar pessoas que poderiam estar libertas, encarcerando-as em uma prisão em que são frequentemente discriminadas, estigmatizadas, rotuladas e, por vezes, marginalizadas. Diante desse cenário, pessoas que poderiam estar “voando”, muitas vezes estão “ancoradas” em um oceano de inseguranças, medos, sensação de inferioridade e incapacidade. 

Para além dos impactos emocionais, comportamentais e sociais, pode haver também necessidades biológicas, motoras e cognitivas que poderiam ser minimizadas ou até mesmo superadas, por meio de diagnóstico precoce e intervenções adequadas para cada necessidade. 

QUEM PROCURAR PARA DIAGNOSTICAR 

Na hora de buscar um diagnóstico, esteja muito atento para que você se submeta a um profissional devidamente qualificado: psicólogo, neuropsicólogo, psiquiatra. Esses são os profissionais que estão devidamente qualificados para realizar avaliações, aplicar testes e emitir diagnósticos e laudos. 

Um alerta necessário: cuidado com quem parece ser profissional, mas, de fato, não é! Na atualidade, existem muitos terapeutas, coachs, entre outros, que não possuem o devido preparo e habilitação profissional necessária para tais avaliações, diagnósticos e intervenções. Tenha certeza de que na hora de buscar ajuda profissional você estará recorrendo ao profissional que poderá oferecer as respostas corretas. 

PRECONCEITO RELIGIOSO 

Conheci uma mulher cuja filha nasceu com uma doença congênita. A criança estava com quatro anos e já havia feito diversas cirurgias na tentativa de corrigir a má formação. A mãe, cansada, esgotada física e emocionalmente, deparou-se com alguém que lhe dirigiu o seguinte questionamento: “Você deve ter algum pecado escondido para sua filha ter nascido assim.” 

Em meio a lágrimas, aquela mãe sofrida pela situação da filha, agora acumulava mais um fardo: o da culpa. “Doutora”, ela me disse, “eu não consigo saber qual é o meu pecado que fez com que minha filha nascesse assim. O que eu faço? Me ajude, por favor!” 

Infelizmente, muitas pessoas ainda insistem em misturar problemas físicos e emocionais como consequência de problemas espirituais. É preciso entender que isso é um mito, uma crendice popular que se estende de geração a geração, intensificando o peso de sofrimento de quem já está tão carregado.

Essa situação já era recorrente até mesmo nos tempos de Jesus. Em João 9:2, vemos os discípulos de Cristo questionando-Lhe a respeito de um cego de nascença: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” Perceba que é o mesmo tipo de questionamento que muitos fazem ainda hoje: “Por que você não faz uma campanha de oração?” “Você deve estar em pecado para que isso tenha acontecido.” “Busque mais a Deus”, etc. 

É evidente que Deus pode curar todas as enfermidades físicas e espirituais, mas é um erro atribuir os desafios de saúde física e emocional a falhas na espiritualidade. Prova disso está na resposta que Jesus ofereceu àqueles homens: “Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9:3). 

ACOLHIMENTO E RESPEITO 

Temos dificuldades em lidar com o diferente. Nossas frustrações e muitas vezes nosso preconceito nos impedem de ajudar quem precisa. A busca pelo diagnóstico é encarada como evidência de falha por parte dos pais, mesmo isso não retratando a realidade. 

A maneira mais assertiva e funcional para lidarmos com os diagnósticos das pessoas que amamos e com quem temos contato não é por meio de críticas, julgamento nem condenação. Isso nunca ajudou ninguém; antes, gera ainda mais peso e até mesmo culpa e sofrimento. 

Acolhimento, empatia, compaixão, respeito e amor são as atitudes que trarão resultados significativos e farão diferença na vida das pessoas. Essa é a grande necessidade de todos, e quanto mais oferecermos isso mais cura estaremos proporcioando. 

O autismo e outras neurodivergências ou transtornos mentais não são modinhas. Não foram, não são e nunca serão. Não façamos esse caminho se tornar espinhoso, e aproveitemos as oportunidades que os novos conhecimentos nos trazem. 

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