Aos 66 anos, Lourdes Cardoso tem uma rotina de dar inveja a muitos jovens. Faz pilates, hidroginástica e todos os dias corre seis quilômetros logo pela manhã. “Eu vejo as pessoas que vão para a academia fazer musculação dizerem que detestam a atividade. Mas, no meu caso, adoro fazer exercícios físicos”, sorri a maratonista que há pouco tempo incluiu a musculação em sua rotina de exercícios diários.
Lourdes conta que o atletismo já a levou para muitos estados, como Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo. E, além de viajar, conhecer pessoas e lugares diferentes, a maior vantagem do seu estilo de vida é, sem dúvida, economizar nos medicamentos: “Não preciso tomar remédio nem gastar dinheiro com isso. Prefiro comprar uma blusinha, um short, um tênis novo”, brinca. Esbanjando bom humor, ela acredita que o envelhecimento é um comportamento orientado por um estado mental. “Conheço pessoas bem mais jovens do que eu, mas com a cabeça envelhecida”, argumenta.
Lourdes está garantindo um envelhecimento com qualidade e alguns anos a mais de vida. É o que mostra um estudo publicado pelo periódico JAMA Network Open. De acordo com a pesquisa, o sedentarismo é mais prejudicial do que o uso regular do cigarro. O que significa um aumento do risco de morte prematura em até 500% para quem não se movimenta.
Uma equipe de fisiologistas realizou testes de aptidão cardiorrespiratória com mais de 122 mil pessoas de diferentes perfis e gêneros. Entre os itens avaliados, foi levado em conta o Índice de Massa Corpórea (IMC) elevado e o uso de medicamentos controlados. As avaliações foram realizadas com base na resposta do organismo à inclusão diária de exercícios físicos na rotina dos voluntários. A conclusão do estudo revela ainda que a inatividade pode ser mais letal do que doenças graves, como a insuficiência renal. Só pra ter uma ideia, um paciente que tenha a necessidade de se submeter a sessões de hemodiálise está com menor risco de morte do que uma pessoa sedentária, alerta a pesquisa.
Resistência física
Se fosse submetida a um teste de aptidão física, Maria José Macedo seria aprovada com louvor. Aos 86 anos, em todo o estado de São Paulo, ela é a terceira colocada no nado crawl. “Vou pegar os 90 anos nadando, só faltam quatro”, sorri a atleta que aprendeu a nadar aos 50 anos e hoje percorre 900 metros a nado, todos os dias.
Ana Rosa Marcondes, gestora das atividades do Núcleo da Terceira Idade, do qual Maria José faz parte, conta que o primeiro sonho da aposentada era conquistar uma medalha regional de natação para a sua categoria, “então ela perseverou, treinou e no ano 2018 ganhou a medalha de ouro nos 25 metros nado crawl. Com isso ela foi classificada para as competições estaduais finais. O resultado foi uma medalha de bronze, classificando a atleta como a melhor em todo o estado de São Paulo”, se orgulha.
E para quem acha que, por ser aposentada, Maria José tem mais tempo para se dedicar ao esporte, se engana. A atleta concilia os afazeres domésticos, a atenção ao marido, filhos e netos com sua rotina de exercícios. Ela conta que o segredo é acordar cedo e, mesmo nos piores dias, não abrir mão das atividades físicas. “Tenho prazer em me exercitar. Isso me dá mais pique para fazer as tarefas do dia a dia”, garante.
Sedentarismo e obesidade
Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), há 1,4 bilhão de pessoas sedentárias no mundo. Nesse mesmo ritmo cresce o número de pessoas obesas. Um em cada oito adultos é obeso, registra a OMS. Tal comportamento mundial torna os dados mais alarmantes.
Para Cláudia Cézar, doutora em Nutrição Humana e Fisiologia do Exercício, o segredo para incluir o exercício físico na rotina está em aumentar as fontes de satisfação e prazer. “Vivemos em uma cultura em que a alimentação e a inércia são tidas como práticas primárias para obtenção de prazer. O que precisa ser feito é ir ampliando essas fontes a ponto de incluir o movimento na rotina que, assim como a alimentação e o descanso, também é responsável pela liberação de neuro-hormônios. O mais conhecido é a endorfina, que propicia uma sensação de prazer e bem-estar”, explica a doutora Cláudia, que também é especialista em Medicina Psicossomática.
Obesidade e câncer
No primeiro semestre de 2018, o Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo desenvolveu um estudo em colaboração com a Harvard University, nos Estados Unidos. A pesquisa mostrou que anualmente mais de 15 mil casos de câncer poderiam ser evitados no Brasil, não fosse o alto índice de obesidade da população.
A estimativa feita pelos cientistas brasileiros, americanos e franceses é que até 2025 o Brasil terá mais de 29 mil novos casos de cânceres relacionados à elevação do Índice de Massa Corpórea (IMC). E, nesse caso, quem sai perdendo são as mulheres, por ter o maior índice de diagnósticos de tumores de ovário, útero e mama, cânceres relacionados ao sobrepeso. Mas a lista não para por aí, é o que explica Cicília Marques, oncologista do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC). “Vários cânceres estão relacionados ao fator obesidade, não apenas o câncer de mama. Câncer de endométrio, que é o câncer de útero; câncer de intestino, que chamamos de colorretal; câncer de esôfago, de rim, entre outros – eles todos têm relação também com a obesidade”, alerta Se a luta contra a balança é muitas vezes injusta, imagine se os quilos a mais vierem associados ao tratamento de câncer. Neuza Maria Thomas sempre foi muito ligada à aparência. Bancária aposentada, ela se deparou com um diagnóstico que mudou completamente sua rotina. Entre a descoberta do câncer e a quimioterapia foram aproximadamente dois meses. “Foram oito ciclos de quimioterapia e durante o tratamento não tive muitos problemas, nem reações fortes, mas engordei bastante porque comia muita massa, que era das poucas coisas que não davam enjôo.” Após essa fase a paciente realizou os ciclos de radioterapia e depois tomou uma vacina. Ao todo, passaram- se dois anos, “e nesse período eu não realizei nenhuma atividade física, só depois”, justifica.
Apesar de hoje Neuza realizar atividades físicas regularmente, essa não é nem de longe a maior paixão da vida dela. Ciente da importância de realizar exercícios físicos, ela diz que “conforme vai chegando a idade, a gente precisa de mais remédios e as coisas só vão piorando com o tempo, mas o exercício físico faz com que diminua essa quantidade de remédio. Então se, como eu, a pessoa não gosta de praticar exercícios, mas quer diminuir ou deixar os remédios, ela precisa investir no exercício”.
Já a Tatiane de Souza sempre amou se exercitar, porém aos 32 anos encarou com coragem o difícil diagnóstico do câncer e, por incrível que pareça, a prática de exercícios auxiliou a jovem no processo de recuperação da doença. “Eu acho que, em primeiro lugar, quando você diz ‘eu não gosto de fazer atividade física’ é preciso procurar um motivo; pode ser que você não goste de fazer atividade, mas com certeza gosta de si. Se eu não gosto de treinar, mas ao mesmo tempo não gosto do que vejo no espelho ou do diagnóstico que recebi, entendo que é preciso mudar, a gente pode correr atrás do que quer e alcançar grandes objetivos. Pegar gosto pela saúde é o mais importante. Também é muito importante manter a circulação, a mente funcionando. Por isso, cada um deve conciliar com a rotina algum tipo de exercício de que goste”, aconselha.
Para esses casos, “não existem fórmulas mágicas”, explica a mestre em nutrição Thays Cardenas. “Há três fatores preventivos do câncer: controle de peso – daí voltamos a falar da obesidade como um fator de risco da perspectiva oncológica –, a dieta e os hábitos de vida, isto é, optar por um alimento ou outro. Esses três pilares respondem por um terço das causas que podem ser prevenidas quanto ao desenvolvimento do câncer”, diz a profissional que também atua no Instituto Brasileiro de Controle do Câncer.
“Sempre orientamos que mesmo o paciente de câncer deve praticar atividade física. Antes isso não era falado, o paciente tinha que ficar sentado para gastar menos energia, porque o tumor já estava consumindo energia demais. Hoje em dia, em todas as fases do tratamento, aconselha-se que o paciente não seja sedentário e pratique atividade física”, desmistifica a especialista em nutrição oncológica.
Fatores emocionais Na psicoterapia, a compulsão alimentar é chamada de fome emocional. Para a psicóloga Gabriela Pioli, essa fome fisiológica pode muitas vezes ser desencadeada por uma fome emocional. “Essa vontade de saciar-se vem porque há um vazio. Por que você quer se sentir cheio? Porque há um vazio. Mas no caso da obesida-de esse vazio não é só por comida, o obeso come as próprias emoções”, elucida a profissional, que ainda acrescenta que o desejo por mudança é apenas um dos fatores para de fato estabelecer novos comportamentos. “Há um desejo de mudança, mas a realização dela depende da aceitação da própria história. Quando você se compreende, integra as suas dores, transformando-as, aí, sim, você está apto para trilhar o caminho da mudança”, reitera. Mas nem sempre a força de vontade é o suficiente para se ver em forma. Em alguns casos, fatores hormonais dificultam o processo de emagrecimento. O problema metabólico mais comum para justificar a obesidade é o hipertireoidismo, quando a taxa de hormônios é diminuída e o metabolismo fica um pouco mais lento. Mas não necessariamente a pessoa se torna obesa por conta da disfunção na tireoide. “O problema contribui, mas o que gera o sobrepeso ou até a obesidade são as escolhas alimentares e hábitos de vida sedentários”, explica o médico endocrinologista Raffaele Sciammarella Sobrinho, que com frequência recebe os pacientes com problemas como hipertensão, diabetes ou até hormonais, quadros que necessitam de emagrecimento para aumentar a qualidade de vida. Em todos os casos a resposta é sempre a mesma: “Não tem como fugir: a prática de exercícios físicos é recomendada mesmo que o IMC não esteja elevado. O movimento é importante para o funcionamento de órgãos vitais, como o cérebro e o coração”, reforça. E por falar em coração, não é novidade a relação entre a falta de exercícios físicos e as doenças cardiovasculares. Quanto maior a frequência da prática, maior o consumo de oxigênio que, por sua vez, diminui o débito cardíaco ao manter o volume sistólico – volume de sangue bombeado pelo ventrículo cardíaco. Ou seja, quanto maior o desempenho cardiovascular, maior a capacidade de viver bem.
Carolina Felix é Jornalista
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