quinta-feira, 09 maio

Se você nasceu até meados da década de 1980 e teve o privilégio de folhear algum álbum de fotografias de seus avós ou bisavós, certamente deve ter percebido as silhuetas incrivelmente elegantes e esbeltas que as pessoas das fotos tinham. Ao fazermos um contraste com as gerações atuais, é inegável que nossos antepassados exibiam uma forma física mais esguia e charmosa. Ainda que em preto e branco, aqueles retratos, repletos de nostalgia e de pessoas em boa forma, representam alguns estilos de vida saudáveis que merecem nossa atenção. Indubitavelmente, os hábitos alimentares e de atividade física têm notória responsabilidade nesse cenário complexo.

No entanto, ousamos questionar: Será que as silhuetas mais magras das gerações anteriores estariam restritas apenas a esses dois fatores? Nesta matéria, abordaremos quais os principais fatores que nos diferenciam das gerações anteriores e como isso tem impacto em nossa saúde.

O “pão” nosso de cada dia

Sem dúvida, a famosa expressão “você é aquilo que come” transcende o clichê, especialmente ao contrastarmos os aspectos corporais das pessoas que se alimentam de forma saudável com as que vivem basicamente de alimentos industrializados. Ao investigarmos os segredos por trás da intrigante silhueta das gerações passadas, encontramos o primeiro fator-chave: seus hábitos alimentares.

As refeições frequentemente eram preparadas em casa, utilizando ingredientes frescos e naturais. O consumo de uma dieta rica em nutrientes, com menor teor de açúcar e sem aditivos alimentares contribuía também para que a microbiota intestinal fosse mais equilibrada e saudável.

Em contraste, a contemporaneidade nos brinda com uma abundância de alimentos industrializados, processados e ultraprocessados, repletos de aditivos químicos, ricos em calorias e pobres em nutrientes essenciais. Os alimentos modernos são uma das principais causas para que a silhueta dos indivíduos de nossa geração sofra uma constante “expansão”, além de contribuir para que o índice de obesidade “dispare” anualmente.

A Pesquisa Nacional de Saúde revela que a maioria dos brasileiros não consome a quantidade ideal de frutas e hortaliças. Um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontou que o consumo de alimentos in natura caiu 7% entre 2002 e 2018, enquanto o de processados e ultraprocessados subiu 18% e 46%, respectivamente. Já o consumo de refeições prontas aumentou 250%. A motivação para a essa inversão na preferência por comidas rápidas, as famosas fast foods, e outros alimentos industrializados pode estar relacionada ao “frenesi” da vida moderna, associado à questão financeira, considerando o maior incentivo de isenção fiscal para os ultraprocessados do que para os alimentos in natura. Assim, um salgadinho pode ser mais barato e prático do que uma fruta ou verdura, pois é só abrir o pacote e comer.

O problema é que o aumento do consumo de alimentos industrializados, ricos em aditivos químicos, pode desencadear um desequilíbrio no microbioma (comunidade de micro-organismos presentes no trato gastrointestinal). Esse desequilíbrio, conhecido como disbiose, é um diferencial da sociedade moderna e está associado a uma série de problemas de saúde, tais como obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e distúrbios gastrointestinais.

Nesse contexto, é imprescindível direcionar a atenção para as escolhas alimentares, não apenas para conquistar formas elegantes, mas especialmente visando a um corpo mais saudável e maior qualidade de vida. Lembre-se: a ênfase não está em contar calorias, mas, sim, em selecionar nutrientes de forma consciente. Se preferir, procure o nutricionista para fazer uma transição de hábitos alimentares de forma adequada e poder repovoar sua fl ora intestinal com micro-organismos do bem. Assim como no ditado “uma andorinha só não faz verão”, a questão alimentar é apenas um dos fatores que atribuíam aos nossos antepassados uma aparência mais saudável. Na sequência veremos outra peça-chave para a promoção de saúde da época do vovô e da vovó.

Uma questão de movimento

Além de ter uma alimentação mais natural, as gerações anteriores também se exercitavam mais. Os exercícios físicos eram intrínsecos ao cotidiano das pessoas. As cidades e os vilarejos eram verdadeiros cenários de movimento, nos quais caminhar e pedalar eram os principais meios de locomoção. As ruas fervilhavam de pessoas em atividade constante, seja a caminho do trabalho, da escola ou de outras tarefas diárias. Além disso, jovens e crianças

passavam horas ao ar livre, expostos aos benefícios da luz solar e ao ar puro, envolvidos em atividades que exigiam movimento e energia. As atividades domésticas também demandavam esforço físico, como lavar roupas à mão, limpar a casa sem ajuda de aspiradores de pó, preparar o pão, realizar trabalhos de jardinagem, entre outros.

Acontece que, com o advento de tecnologias que facilitaram a rotina das pessoas, como eletrodomésticos e meios de transporte mais eficientes e acessíveis, a quantidade de energia consumida pelo corpo passou a ser menor. O atual panorama nos confronta com uma realidade desafiadora. Precisamos lidar com uma nova dinâmica energética, pois consumimos muito mais calorias do que gastamos, além da questão de que os alimentos possuem baixo teor nutricional e estão repletos de aditivos químicos que prejudicam o bom funcionamento do segundo cérebro: o intestino.

Enquanto as décadas foram avançando e as cidades cresceram, o sedentarismo também ganhou terreno e o tamanho da silhueta é a menor das preocupações. O que de fato causa receio entre os especialistas é a relação entre a inatividade física e o adoecimento. Uma pesquisa de saúde e trabalho, divulgada em junho deste ano, revelou que aproximadamente metade dos brasileiros (52%) raramente ou nunca pratica atividades físicas. Dentre aqueles que se exercitam, 22% realizam atividades diariamente, 13% ao menos três vezes por semana e 8% duas vezes por semana. Foram entrevistadas 2.021 pessoas acima 16 anos em todos os estados, e os dados também associam a prática regular de atividades físicas à menor incidência de adoecimento. Dentre as pessoas que relataram praticar alguma atividade física, 72% não tiveram problemas de saúde nos últimos 12 meses, enquanto entre os sedentários esse índice foi de 42%.

Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2030, cerca de 500 milhões de pessoas serão obesas e desenvolverão uma série de outras doenças não transmissíveis, como diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares, em virtude da inatividade física.

Tais informações acendem um alerta e devem nos motivar a buscar hábitos de vida mais ativos, não apenas repensando os contornos de nossa silhueta, mas pensando no ganho de mobilidade para os anos futuros e um menor índice de adoecimento.

Além da rotina energética e dinâmica, aliada a escolhas alimentares conscientes no dia a dia das gerações passadas, existem outros “ingredientes” que lhes permitiam manter um melhor equilíbrio entre suas atividades diárias e estilo de vida.

Sono e ganho de peso

As gerações anteriores vivenciavam uma relação única com o descanso noturno. A ausência de estímulos luminosos lhes permitia uma transição suave entre a vigília e o sono, graças à estimulação da produção de melatonina, o valioso hormônio do sono. O cair do sol indicava o momento de desacelerar, e sem a distração de dispositivos eletrônicos e o brilho de telas, a mente encontrava paz, preparando- se para um descanso reparador, sem sobressaltos noturnos. Além da questão da luminosidade, uma vida menos agitada e cercada de mais afeto humano estabelecia laços emocionais profundos, reduzindo o estresse e criando uma atmosfera mais tranquila e propícia para uma boa noite de descanso.

Outro fator importante é que a vida seguia um ritmo bem defi nido, com atividades diárias pautadas em horários regulares. Os horários para dormir e despertar tornavam-se uma rotina enraizada, gerando sensação de descanso e disposição ao raiar do sol. Esse padrão organizado era a chave para noites mais serenas e dias mais revigorantes.

Ok, dormir bem é maravilhoso e restaurador, mas o que isso tem que ver com os aspectos corporais das gerações passadas? Ocorre que a falta de noites bem dormidas pode desencadear aumento do apetite associado a uma diminuição da sensação

de saciedade, culminando no temido ganho de peso, segundo o Instituto do Sono. A falta de uma rotina adequada de sono pode afetar a regulação do metabolismo corporal e a produção de hormônios, como a grelina, responsável pelo apetite, e a leptina, ligada à saciedade. Um estudo publicado em 2022 na revista científi ca JAMA Internal Medicine, ressaltou que uma hora e meia a mais de sono por noite foi capaz de reduzir em 270 Kcal a ingestão calórica diária, o que pode implicar em uma signifi cativa perda de peso a longo prazo.

Uma pesquisa do Ibope intitulada “Mapa do Sono dos Brasileiros” entrevistou 2.635 brasileiros entre homens e mulheres maiores de 18 anos, das classes A, B e C, e revelou que 65% dos brasileiros têm baixa qualidade de sono, mas apenas 7% procuram auxílio de um profi ssional de saúde. Além disso, 34% afi rmam ter insônia, mas somente 21% possuem diagnóstico médico para essa condição.

Em suma, os hábitos de descanso noturno das gerações passadas favoreciam um sono mais regular, profundo e de melhor qualidade, o que pode ter contribuído para uma melhor saúde metabólica em comparação com os padrões de sono atuais, que muitas vezes são afetados por uma vida agitada, uso excessivo de dispositivos eletrônicos e estresse crônico, interferindo no apetite e no ganho de massa corporal.

Assim, até aqui vimos a importância de reorganizar a dieta alimentar e elaborar uma rotina que inclua atividades físicas e horários específi cos para deitar e despertar. Lembre-se de se desconectar da luz das telas no mínimo uma hora antes de dormir, para usufruir de uma melhor noite de sono.

Roti na e saúde

Além dos fatores já mencionados acima, estudos apontam outros elementos de que podem impactar diretamente a saúde. Uma rotina estressante associada a poucos hábitos saudáveis, por exemplo, pode promover o adoecimento físico e mental e também afetar o ganho de peso de diversas maneiras, inclusive pelo elevado consumo de fármacos, que podem possibilitar a ocorrência de alterações metabólicas e o aumento da vontade de comer.

Até meados de 1940, a rotina das pessoas era geralmente mais tranquila e saudável em comparação com os dias atuais. Ainda, a disponibilidade de tratamento de saúde com medicamentos era bem mais limitada, somando-se mais um diferencial entre essa geração e a nossa. Essas gerações também tinham uma maior relação com a religiosidade e buscavam ter mais comunhão com Deus. Esse fator também lhes conferia maior paz de espírito e auxiliava na administração de eventuais dissabores da vida.

Além do contraste entre os hábitos de vida das gerações passadas e a geração moderna, especialistas têm procurado respostas na relação entre genética e fatores ambientais.

Novas gerações e obesidade

Uma pesquisa realizada pela York University e publicada em 2016 no jornal científi co Obesity Research & Clinical Practice analisou dados alimentares de mais de 36 mil americanos entre 1971 e 2008, para compreender as alterações no índice de massa corporal (IMC) ao longo das últimas décadas. De acordo com a pesquisa, a taxa de obesidade para homens sofreu um aumento de 3,2% em 1975 para 10,8% em 2014, e, entre as mulheres, os valores saltaram de 6,4% para 14,9%. Esse estudo revelou também que os adultos de hoje têm cerca de 10% a mais de massa corporal do que os da década de 80, devido a exposições a substâncias químicas no cotidiano e mudanças no estilo de vida.

Mas o que estaria por trás desse ganho de peso com o passar das gerações? Um fator que tem chamado a atenção é que a correlação entre a variante genética de obesidade mais conhecida (FTO) e o IMC cresce à medida que aumenta a data de nascimento.

Estudos já haviam mostrado que uma variante desse gene da obesidade dá ao portador aproximadamente três quilos a mais e um risco maior de desenvolver obesidade. Porém, outra pesquisa, publicada na revista PNAS revelou que esse fator ocorre apenas nas gerações mais recentes, e que há uma fronteira temporal bem estabelecida. Os “sortudos” que nasceram antes de 1942 parecem imunes aos efeitos genéticos da obesidade, apesar de possuírem o gene da gordura. Por outro lado, nas gerações posteriores, essa correlação entre genética e obesidade, além de aumentar progressivamente, se tornou duplamente intensa em relação ao que mostravam estudos anteriores. Há cada vez mais evidências de que fatores externos, como alimentação ou atividade física, podem moldar a atividade genética.

Em outras palavras, esses estudos em epigenética ressaltam que possuir um gene de obesidade não é fator determinante para desenvolver a doença. São nossos hábitos de vida diários que irão acioná-lo ou não, com o passar do tempo. Esse fator merece nossa atenção, pois é nesse ponto em que percebemos que a mudança de hábitos com o passar das décadas, em adaptação às tecnologias modernas e ao corre-corre diário, pode estar nos condenando a “acionar” uma série de genes que têm nos adoecido e “expandido” nossa silhueta. A situação da obesidade e do sobrepeso é séria e as projeções futuras são bastante alarmantes.

Para ficar bem evidente a questão dos termos de obesidade e sobrepeso, usamos como base o índice de massa corporal (IMC) adotado pela OMS. O padrão utilizado é o seguinte:

A OMS estima que em 2025 teremos 2,3 bilhões de adultos acima do peso no mundo, sendo aproximadamente 500 milhões de indivíduos com obesidade, isto é, IMC acima de 30. No Brasil, a pesquisa do IBGE sobre obesidade revelou que o número de adultos acima dos 20 anos com sobrepeso foi de 12,2% em 2003 para 26,8% em 2019. Estima-se que no país essa doença crônica tenha aumentado cerca de 72% nos últimos treze anos, fator esse que tem alarmado os setores de saúde.

Quanto à obesidade infantil, os dados apontam que 12,9% das crianças brasileiras entre 5 e 9 anos de idade têm obesidade, assim como 7% dos adolescentes com idades entre 12 e 17 anos.

Liziane Conrad Costa

Mestre em Biociências e Saúde

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