sexta-feira, 26 abril

Temperança é o “remédio natural” que nos ajuda a lidar bem com todos os outros “remédios”  –  Marcello Niek M. Leal 

Gosto muito da palavra “temperança”. Ela desperta certa curiosidade na maioria das pessoas porque não faz parte do vocabulário de uso corrente de grande parte da população. A primeira ideia que traz à mente é uma associação com tempero: aquilo que usamos para dar sabor, para realçar, e de certa forma trazer equilíbrio às receitas. 

Embora a etimologia das palavras temperança e tempero seja distinta e seus significados não sejam coincidentes, em verdade temperança comunica a ideia de equilíbrio como resultado. Significa comedimento, moderação, parcimônia, austeridade, sobriedade e por aí vai… 

Temperança é a habilidade de viver de maneira equilibrada, sem extremos, valorizando e usando com moderação aquilo que nos faz bem, ao mesmo tempo em que nos abstemos daquilo que nos faz mal. Ou seja, idealmente não exagerar mesmo no que faz bem e não usar, mesmo que em pouca quantidade, aquilo que faz mal. 

O conceito é abrangente e se aplica a diferentes aspectos da vida, tais como alimentação, hábitos em estilo de vida, qualidade do sono, relação entre trabalho e vida pessoal, uso dos recursos financeiros, saúde emocional e experiência espiritual. Esse conceito deriva da visão de saúde integral, em que compreendemos o ser humano como um todo indivisível, com dimensões física, mental e espiritual. 

Dessa forma, viver com temperança significa buscar um ponto de equilíbrio entre as diferentes dimensões do nosso ser, priorizando as atitudes que contribuem positivamente e minimizando ou se abstendo das escolhas que nos afetam negativamente. 

Entre todas as formas de praticar a temperança, a alimentação, provavelmente, seja a mais intuitiva. Há uma nítida e universal percepção de que somos o que comemos. Nossos hábitos alimentares influenciam diretamente o bem-estar físico, como também o estado emocional e, inclusive, o discernimento espiritual. 

A escritora Ellen White descreve bem esse ponto de vista: “Nossa saúde física é mantida pelo que comemos; se nosso apetite não está sob o controle de uma mente santificada, se não somos temperantes em tudo o que comemos e bebemos, não estaremos num estado saudável físico e mental para estudar a Palavra [Bíblia] com o propósito de aprender o que diz a Escritura: ‘Que farei para herdar a vida eterna?’ Qualquer hábito não saudável produzirá no organismo uma condição não saudável, e a maquinaria viva, delicada, do estômago, será prejudicada, e não estará em condições de fazer o seu trabalho devidamente. O regime tem muito que ver com a disposição de entrar em tentação e cometer pecado” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar, p. 52). 

As bebidas também fazem parte de nossa alimentação e exercem papel fundamental sobre a saúde. Infelizmente, muitas pessoas têm desenvolvido o hábito regular de tomar bebidas estimulantes que a longo prazo desenvolvem uma sobrecarga sobre o corpo e a mente. Novamente, Ellen White já escrevia sobre o tema há mais de um século: “Muitas pessoas que se acostumaram ao uso de bebidas estimulantes, sofrem de dores de cabeça e prostração nervosa, e perdem muito tempo devido a doenças. Imaginam que não podem viver sem o estímulo, e são ignorantes de seus efeitos sobre a saúde. O que o torna mais perigoso é que seus maus efeitos são com frequência atribuídos a outras causas” (Christian Temperance and Bible Hygiene, p. 35). 

“Se alguma coisa é necessária para saciar a sede, água pura tomada algum tempo antes ou depois da refeição é tudo quanto a natureza requer. Nunca tomeis chá, café, cerveja, vinho, ou qualquer bebida espirituosa. Água, eis a melhor bebida possível para limpar os tecidos” (The Review and Herald, 29 de julho de 1884). 

Adicionalmente, a cultura do álcool como droga lícita e socialmente aceita tem contribuído para a destruição da saúde, da vida e da família de milhões e milhões de pessoas, anualmente. Os efeitos do álcool sobre os diferentes órgãos do corpo e suas consequências sociais são cada vez mais conhecidos e estudados. Mesmo supostos  benefícios advindos de um consumo moderado podem ser seguramente obtidos por outras fontes sem álcool, e a única atitude realmente segura é a total abstinência. 

O cigarro e as drogas ilícitas estão absolutamente fora de questão para qualquer pessoa que se preocupe minimamente com a saúde. São vícios escravizadores que destroem a saúde por completo e influenciam também a vida dos que estão em seu entorno. Todos que porventura estão presos a esses vícios precisam buscar ajuda o quanto antes para se libertar logo. 

A atividade física regular moderada é um pilar fundamental e inegociável de uma vida saudável. Seus benefícios vão muito além de um corpo são: influencia no estado emocional, melhora a imunidade, previne doenças e proporciona ânimo para a vida. 

Quando não paramos para refletir sobre nossa vida e não tomamos tempo para fazer ajustes em nossas atitudes, corremos o risco de ficar presos em um ciclo vicioso de hábitos nocivos. Então, esse ciclo vicioso nos leva a um processo progressivo de desgaste que pode culminar em um estado de esgotamento. Primeiro, esgotamento físico, com respostas como insônia, diminuição da imunidade, redução do desejo sexual e indisposição geral, com todas as suas consequências diretas sobre a vida. Depois, esgotamento mental, com grande desgaste emocional associado, que pode ser manifestado por ansiedade, angústia, depressão, diminuição da capacidade cognitiva, lapsos de memória e diminuição da aptidão e tolerância social, com consequente isolamento. Por fim, esgotamento espiritual, com sentimento de frustração, perda de propósito, diminuição da experiência de comunhão e frieza de sentimentos com as atividades espirituais. E, em alguns casos extremos, todo esse esgotamento pode levar ao legalismo ou até mesmo ao abandono da fé. 

Por isso é fundamental que tomemos medidas para manter as diferentes áreas da vida atendidas em suas necessidades básicas. 

Parece muito difícil organizar tudo isso em nossa vida? Não é. Toda longa caminhada começa com um primeiro passo: com a iniciativa de mudar. O conhecimento leva ao desejo e o desejo leva à ação. Quando sabemos que existe uma forma melhor de viver, sentimos o desejo de mudar. Então, devemos partir para a ação. 

O segredo está em não buscar a “perfeição” ao querer organizar e fazer tudo mecanicamente, porque se acredita que é o melhor. Porém, começar a investir tempo em pequenos hábitos saudáveis, em ações construtivas. Assim, um hábito vai alimentando outro e fortalece toda a cadeia de ações. Aos poucos, vamos sentindo o prazer genuíno de uma vida equilibrada e ganhamos interesse e aptidão para novas atitudes. 

A construção de novos hábitos exige tempo, dedicação e paciência. Contudo, não é tão difícil quanto parece. A estratégia que melhor funciona para a maioria das pessoas não é a interrupção abrupta de maus hábitos, mas, sim, a substituição gradual e constante por novos bons hábitos. O cérebro não assimila muito bem a retirada de um hábito, porém, tolera com muita facilidade a troca por outro. Dessa forma, o ideal é que possamos desenvolver pequenos novos bons hábitos que com o tempo vão se fortalecendo e aos poucos substituem os hábitos antigos. 

O importante é começar. Cada dia insistir em seguir em frente, mesmo que no início pareça que não vai dar certo. Aos poucos, o organismo vai assimilando a nova forma de agir e gradativamente vai abandonando naturalmente a forma anterior. É impressionante como funciona! 

No processo de transformação para uma vida temperante, ou seja, equilibrada, por meio da cons-trução de novos hábitos, é essencial lembrar sempre do conceito inicial apresentado: valorizar e usar com moderação aquilo que nos faz bem, ao mesmo tempo que nos abstemos daquilo que nos faz mal. Então, ser temperante é aprender a usar o que é bom dentro de limites saudáveis, porque mesmo as coisas que nos fazem bem, quando utilizadas com exagero, passam a nos fazer mal. Isso vale tanto para alimentos quanto para comportamentos. Como di-ria o famoso médico renascentista suíço Paracelso: a diferença entre o veneno e o remédio está na dose. Por outro lado, equilíbrio não significa porções equivalentes do que faz bem e do que faz mal. Ao contrário. O ideal é que ao mesmo tempo possamos nos abster do máximo possível de alimentos e comportamentos nocivos à saúde. Toda abstinência do mal já é por si só um bem. 

Deixo então algumas dicas simples e práticas para desenvolvermos a temperança em diferentes aspectos da vida: “Abnegação e domínio próprio devem ser ensinados às crianças, e exigidos delas até onde for coerente, desde a primeira infância. E primeiro é importante que seja ensinado aos pequeninos que eles comem para viver, e não vivem para comer; que o apetite precisa ser mantido em obediência à vontade; e que esta deve ser governada pela razão calma e inteligente” (Ellen G. White, The Signs of the Times, 20 de abril de 1882). 

Marcello Niek M. Leal Médico e mestre em Ensino de Saúde @marcelloniek 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *