Olho no olho
A internet foi e continua sendo uma grande revolução das relações sociais. Ela é boa, mas também pode causar prejuízos, quando a vida se torna tão somente uma representação.
As pessoas querem ser amadas e isso é normal. Mas elas precisam aprender a amar também. Eu disse aprender a amar. E não se ama a partir de encenação. O que eu quero dizer com isso? Bem, será mesmo preciso destacar o tempo todo aquilo que julgamos ser o que temos de melhor a fim de conquistarmos amor. Quer um exemplo? Como é que as pessoas postam fotos nas redes sociais?
Isso não é uma crítica, apenas uma reflexão. É natural que a gente procure exaltar nosso melhor ângulo. Mas o que quero dizer é que não podemos nos iludir que a partir daí o amor verdadeiro surgirá, pois não se pode amar virtualmente.
Pelo canal virtual o que pode ocorrer, e em geral ocorre, é o engano. Todos querem impressionar. Faz-se um recorte do melhor e joga-se para debaixo do tapete o que é preciso esconder, muitas vezes, até de si mesmo. É por isso que o amor maduro não se pode encontrar de maneira virtual, com base em músculos e decotes.
A melhor maneira e também mais funcional para se construir o amor deve vir a partir do contato olho no olho. E nesse sentido, as mídias sociais são instrumentos de disfarce, como uma máscara de carnaval, atrás das quais as pessoas se escondem com medo de ser o que são e serem rejeitadas, isto é, não amadas.
Em geral (felizmente há muitas exceções), é preciso aprender a ter coragem de ser o que se é, tendo, assim, a mente aberta para crescer, e não se preocupar a respeito da avaliação que receberá. Isso não significa que estou incentivando a falta de bom senso. É claro que devemos saber manejar as ferramentas tecnológicas que acabam expondo nossa vida.
Mas, o que eu pretendo é impulsionar sua autoconfiança. Se o que você é como pessoa é bom, se você está aprendendo a amar maduramente, a perdoar, a colocar limites saudáveis, a aceitar sem angústia suas limitações, a não mentir para obter aplauso, afeto, dinheiro; se está sendo honesta emocionalmente, se não manipula as pessoas, então não precisa criar um sorriso produzido para se adequar às redes sociais.
Seu sorriso natural e não a exposição indevida do seu corpo já é o bastante, porque nas redes sociais a meta de uma pessoa madura é se comunicar de maneira saudável. Na rede social, se evidencia, facilmente, a maturidade emocional e a saúde mental.
Solidão viralizada
A solidão mata porque fomos criados para o contato de uns com os outros, para interagir. A solidão tem seu lugar. Ela é importante nos momentos de oração, meditação, autorreflexão. O que não dá é para viver os extremos, ou seja, ser daqueles que se isolam, ou daqueles que não conseguem ficar sozinhos por dez minutos.
O isolamento social pode ser uma defesa advinda do medo de ser rejeitado ou de não ser aceito como gostaria. O isolamento vem também por medo de não saber falar, de passar vergonha. Ele ainda pode ocorrer meramente por egoísmo, indiferença pelo senso de comunidade, ou por inabilidade social.
Por outro lado, há pessoas que gostam da solidão e não são egoístas. Trata-se das pessoas introvertidas. O introvertido gosta de estar com ele mesmo, enquanto o extrovertido precisa de “visibilidade” para se sentir bem.
O meu alerta é para o fato de que o mundo virtual da internet favorece o isolamento e a superficialidade das relações e isso é perigoso. Como seres humanos, acabamos usufruindo desse jogo de esconde-esconde, enganamos aos outros e a nós mesmos.
Em vez de construir uma imagem fictícia de nós mesmos, não seria melhor investir no contato pessoal, o qual é imprescindível para os ajustes de personalidade, necessários nas relações afetivas?
Sendo assim, precisamos aprender a estar conectados com a gente mesmo, sem ficar fugindo do nosso íntimo, enterrando-o sob as redes sociais, em horas gastas mostrando o que não somos.
Precisamos aprender a nos relacionar de verdade com as pessoas, fazendo isso de maneira madura, dando e recebendo, ensinando e aprendendo, ganhando e perdendo, alegrando-nos e nos entristecendo. Todos nós, ora ficamos satisfeitos, ora frustrados, porque é assim que a vida real é. Aceitemos, então, a vida como ela. O que foge disso é um modo infiel de lidar com a existência.
Cesar Vasconcellos de Souza é psiquiatra / www.doutorcesar.com.br
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